A "URGÊNCIA " DE CADA UM...

Coração de São Paulo, e eu meio de longe, observava o corre-corre daquela tarde naquele local de atendimento imediato às urgências de saúde das pessoas.

Uma ambulância acabava de chegar àquele pronto- socorro agitado, aonde um médico plantonista se dividia em muitos, a me parecer meio nocauteado, por dar conta do intenso movimento de porta e duma enfermaria próxima dali.

Um transplante de órgãos aconteceria dali a poucos minutos, num iminente ato heróico em que segundos valem vidas, favorecido por um desses infortúnios que subitamente ceifam as vidas no trânsito de São Paulo mas que, doutro lado, agraciam outras vidas que esperam pela salvação, que advém do altruísmo do amor incondicional dos doadores de órgãos.

E a minha crônica não seria de humor, a parar por aqui, apenas homenageando um ato heróico, não fosse algo pitoresco que vi acontecer dentro daquela cena de correria cotidiana.

Ela displicentemente adentrou pela porta da frente da instituição bamboleando seus fartos quadris , a driblar os espaços entre o pessoal que descia apressadamente da ambulância, para resguardar os órgãos doados no caminho ao centro cirúrgico: "Boa tarde, com licença senhores" verbalizava seu cumprimento num "soprano falsete" enquanto se dirigia ao balcão para o registro do seu atendimento.

Vestida duma maneira um tanto pitoresca para um pronto- socorro, se equilibrava atleticamente sobre seu salto agulha dez, dum sapato de verniz pink, arrematado com laçarotes chamativos, pontilhados de cristais brilhantes, que evidenciavam seus delicados artelhos.

As unhas do pés cintilavam uma dessas fortes cores da moda, num esmalte azul cobalto.

De legging preta, aliás, única cor neutra daquela pitoresca madame, contorcia levemente a mão direita sobre o abdome esboçando certa dor, a evidenciar uma fresta de umbigo com um ponto de brilho, logo abaixo duma mini blusa de cotton floral, aonde também se notava alguns pneuzinhos escaparem pelos lados.

Trazia no pescoço e nas orelhas uns penduricalhos exagerados de strass dourado, que destoavam do conjunto de piercings das sobrancelhas e das cartilagens auriculares.

A maquiagem carregada lhe distorcia a imagem, aonde também se notava um suco nasolabial preenchido com as técnicas de cirurgia plástica mais botox nas adjacências dos lábios de batom carmim.

O cabelo ruivo e esvoaçante fechava-lhe o "ar" um tanto impressionante...

"Ai doutor, meu caso é urgente" dizia ela ao entrar na sala do médico sem ainda ter sido chamada.

" A senhora, por favor, espere pela sua vez, que vou ajudar o pessoal do transplante." disse-lhe o médico educadamente.

"Transplante, doutor , e isso demora muito? Eu não posso esperar não, porque meu caso é urgência!".

Em vista de tanta insistência percebi que o médico decidiu por examiná-la logo, porque pensou: "dor de barriga...pode ser que complica".

Colocou-a na maca foi ao ponto certo e lhe perguntou:"É aqui que dói?"

"Como aí doutor, minha dor não é aí, não!"

"Aonde dói, senhora, por favor?" perguntou o médico um tanto impaciente e apressado com aquela exótica urgência que lhe chegava..."

"Doutor, é isso aqui, ó, um caso dolorido de fratura, fraturei minha unha tentando abrir meu vidro de perfume francês...olha o estrago doutor, o senhor teria como consertar isso bem depressa?

Nota:

Com aquela senhora aprendi a respeitar "cada" uma das urgências do outro...e aposto como aquele pobre médico também aprendeu.