O CORVO O JACARÉ E A TARTARUGA

Selando uma amizade no mínimo suspeita, um jacaré e um corvo fizeram em segredo um trato para saber aonde a tartaruga iria por seus ovos, para pilhar seu ninho.

- Você vai seguir a tartaruga, corvo - Decide o jacaré, pois em solo firme sou pesado e mole como ela, sem falar que com tantos caçadores a solta não posso facilitar.

- Certo jacaré - concorda o corvo - mas é bom lembrar que a divisão será meio a meio, pois da última vez que te mostrei um ninho de capivara no brejo perto do lago do anzol, você devorou sete filhotes e eram oito e ainda por cima me deixou encasquetado com o oitavo que escapou para o córrego do lambari. Falou o corvo mostrando aborrecimento.

- Ora corvo! De que reclama? Eu te deixei o filhote mais rechonchudo, aí você amoleceu e o bicho escapou mesmo.

- É, mas vamos dividir tudo dessa vez sem esperteza.

- Está certo corvo, mas vamos logo com isso!

O corvo nunca confiou no jacaré, mas aquela parceria só era duradoura porque ele voava sempre atento, não facilitando nunca quando estavam juntos nas caminhadas pela floresta. Tanto que se movimentava sempre atrás da mandíbula do feroz parceiro acidental que, nas bocadas que dava não deixava margem pra erro.

Ficava longe da cauda também, já que uma rabanada do jacaré poria fim a uma amizade que na verdade nunca existiu, onde o jacaré (sem perder tempo chorando lágrimas de crocodilo) trataria logo de passar o falecido “ex-amigo” corvo para o fundo da goela, em direção a uma digestão bem menos comovente. E ambos sabiam disso, embora mantivessem uma simbiose dentro do tolerável. (digo: desconfiável).

Assim, lá vão eles no rastro da tartaruga. O corvo mais próximo, o jacaré a meia distância. A idéia do jacaré na verdade era devorar a molenga com alguma sobra para o corvo. Só que o casco desta era muito duro, ficando os dois contentes com os ovos mesmo.

- Essa tartaruga já anda em círculos faz tempo, vou aproveitar que o jacaré não está por perto e subir até aquele coqueiro onde me fará bem uma cochilada e depois continuarei a segui-la mais revigorado. Mole como é esse bicho, movimentará poucos metros até quando eu acordar.

A tartaruga, entretanto, já há muito pressentia a presença do corvo e o vira antes confabulando com o jacaré, onde andou a esmo desconfiada.

- Esses espertinhos acham que me pegam. Já não agüento esse corre-corre, pra despistar essa bicharada que só quer beber meus ovos. Primeiro o quati, depois a cascavel, e o gambá também. Custei a me livrar deles. Agora esse corvo e esse jacaré.

Assim ficou a tartaruga com suas idéias quando vê passar uma jacaré indo pro pasto do carrapato, ai ela pensa:

- Ei, tive agora uma grande ideia!! Essa fêmea de jacaré vai desovar em algum lugar. Ah! -Vou atrás dela e botar meus ovos dentro do seu ninho logo depois de sua postura, ai ela vigiará todo e brigará pelos ovos no meu lugar.

- É isso! Decide a tartaruga. - Vou botar meus ovos no mesmo ninho dessa jacaré - e olha pro galho de coqueiro onde o corvo, ainda dormia a sono solto.

- Vou mostrar para aquele corvo idiota que ele dormiu no ponto dessa vez.

A fêmea do jacaré faz então sua postura, retirando-se na mesma lentidão. Indo com alguma pressa dessa vez a tartaruga. . E posta seus ovos no mesmo ninho,tratando de cair fora sem demora ficando para outra mãe cuidar dos seus futuros filhotes dali pra frente. Instante que o corvo acorda vendo-a sair do ninho e voa logo a chamar o parceiro de pilhagem, que veio imediatamente.

- Vamos jacaré, finalmente a tartaruga botou os ovos lá no pasto dos carrapatos. É ovo que não acaba mais (a quantidade estava em era em dobro pelas duas posturas) dá pra fazer uma festa.

- Hum! Muito bem, vamos lá então.

E chegam ao ninho. O corvo adiante já de olho nos ovos. Só que não viram a guardiã que de propósito ficava numa posição escondida, e o jacaré acha algo estranho embora não veja os ovos de sua raça, já que os da tartaruga em volume estavam por cima:

- Esse ninho me é familiar. Comenta.

- Deixe de conversa jacaré, eu mesmo vi a tartaruga saindo daqui e além disso não reconhece os ovos de sua raça?

Mais convencido e com sede de beber os ovos logo o jacaré decide:

- Ao banquete corvo. Não é pra sobrar nenhum.

- Isso! Hoje a fartura tá boa.

E invadem o ninho, mas a jacaré fêmea silenciosa, chega por trás e numa só bocada devora o corvo, que desapareceu da face da floresta sem entender o que lhe ocorrera, passando a fêmea a brigar com o macho que bateu em retirada e já de longe, lamentou a morte do "amigo" e pensou:

- Caramba, essa eu não entendi.

"O BICHO QUANDO É MOLE PRECISA PELO MENOS SER ESPERTO”

Pacomolina
Enviado por Pacomolina em 08/09/2010
Reeditado em 20/07/2020
Código do texto: T2485067
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