PECADINHO OU PECADÃO?

Faço desta minha presente crônica (humor?) um veículo para mostrar ao leitor, de dentro ou de fora do recanto, a singularidade dum texto que me chegou por email, cujo conteúdo versa sobre uma sentença judicial proferida por um Juíz dum outro Estado brasileiro.

O texto vem endereçado a quem da área do Direito, juízes, promotores, estudantes da área, embora a mim, tenha chegado como curiosidade sócio-política. E me valeu um texto!

Óbviamente o tudo que nos chega pela internet há que ser filtrado, porém o texto circula com o nome e sobrenome do excelentíssimo Juíz que assina o despacho, e também com a discriminação da sua Vara de atuação.

Depois que li a sentença, fiquei a pensar que, se confrontarmos a justiça divina com a que permeia o entendimento dos homens, decerto que na primeira não deva haver "pecadinhos ou pecadões".

Penso que existam ações e reações do nosso livre e muitas vezes equivocado arbítrio.

Mas vejam que interessante a fundamentação judicial da sentença do dito Juíz, que redimiu um "pecadinho" num mundo norteado de escabrosos "pecadões" (e curioso, sem sentença alguma por parte da justiça dos homens!). Vou me abster de nomear os envolvidos, embora todos constem no mail que recebi.

Leiam:

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DESPACHO POUCO COMUM

A Escola Nacional de Magistratura incluiu em seu banco de sentenças, o despacho pouco comum dum Juiz. A sua entidade considerou de bom senso a decisão de seu associado, mandando soltar os sentenciados, detidos sob acusação de furtarem duas melancias:

DECISÃO

Trata-se de auto de prisão em flagrante de ....e ..... que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão..

Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)... Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário apesar da promessa deste presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz. Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia....

Poderia dizer que os americanos jogam bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo? Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir. Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo.

Expeçam-se os alvarás.

Intimem-se.

......

Juiz de Direito

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De fato, não tendo mais nada a dizer, então, aplaudo com a voz das palmas das minhas mãos, ainda que, por alguma desventura, seja a sentença acima, apenas um texto de ficção.

Ah sim, não deve ser nada fácil furtar duas melancias, convenhamos, frente a tantos outros furtos corriqueiros (tão facilitados, e figurativamente bem FAMÉLICOS!) que ocorrem por aí.

Eu se fosse o Excelentíssimo Juíz as doaria para as campanhas eleitorais ...a título de trabalho util às tantas comunidades políticas.

O que iria ter de político aparecendo e reaparecendo...

(Mavi)