A SAGA DOS PORÕES

Quando Marina voltou das férias, como de praxe, logo perguntou pelas novidades aos colegas de trabalho.

Decerto que, mesmo num curto período de ausência, o cenário dum pronto socorro de hospital costuma ser dinâmico o suficiente para acumular as tantas cenas históricas...e garanto, inesquecíveis.

"O quê, mas não te contaram?-ah, aconteceu logo no seu primeiro dia de férias!", lhe esclareceu um colega com os olhos brilhantes de perplexidade, ávido para lhe narrar a história.

Então, Marina se sentou para atentamente ouvir a narrativa dos que presenciaram a tal da inusitada cena, que correu as portas da "boca pequena" daquele seu local de trabalho.

A instituição recentemente passara por uma reforma magistral.

Tudo impecável, limpinho, magistralmente organizado, não fosse a organização do conforto médico, algo nada prioritário, que ficara para um segundo plano , a esperar por quase cinco anos para que fosse, ao menos, algo que lembrasse o "confortável", o que ainda não havia ocorrido depois de tanto tempo.

Ali dentro, num minúsculo recinto de paredes azulejadas que mais parecia projetado para expurgo, além dos médicos plantonistas do serviço, descansavam um vaso sanitário, uma pia, dois colchões velhos suados de guerra, e alguns entulhos da recente reforma hospitalar, juntamente a um amontoado de arquivos mortos, cuja pirâmide de papel crescia a cada dia a olhos vistos, a apavorar até um "ácaro" mais experiente aos tantos pós ocultos dessa vida.

Porém, naquela manhã, os pacientes foram surpreendidos por um grito feminino vindo daquele tão nobre recinto:"Socorro, me acudam!" gritava uma médica prestes a passar o plantão".

Munidos de coragem, abriram a porta do apavorante recinto, o médico recém chegado para o plantão do dia, o segurança, as faxineiras e todo o pessoal da enfermagem.

Um batalhão a postos para exterminar algum invasor!

Todos mais ou menos habilitados para aniquilar um "doente non grato" que adentrara aquele sumário recinto sem pedir licença, provavelmente através dum buraco remanescente aberto no teto do banheiro, cujo gesso fora desgastado para o conserto dum vazamento, mas que, como de praxe, nunca mais fora fechado.

Ao menos, não fora fechado a tempo de impedir a passagem ao novo morador daquele inóspito recinto.

A médica gritava lá de cima, com ares de terror, com o rosto vermelho de medo, trepada num assento duma cadeira que a resguardava, agora, do visível perigo daquele chão: "Socorro gente ,esmaguem esse nojento, rapidamente, socorro!"

Um petulante rato, em posição supina, mostrava seus dentes afiados a todos que ameaçavam truncar os seus caminhos, ainda que fosse o de enveredar pelos buracos dos velhos colchões!

O médico que segurava um rodo de faxina que surrupiou das mãos da faxineira, subiu numa das camas, e tentava bem de longe, cutucar com o cabo do rodo, o abdomem gordo da enorme ratazana, a entoar aos quatros ventos e sem ressalvas " "Ai, morro de nojo de rato...socorro!"

"Vai, coragem, joga cloro no olho dele, doutor!," ensinava-lhe uma exímia faxineira.

"Dá esse cabo aqui doutor, que eu acabo com ele!"-gritava um corajoso e heróico segurança que entrou em cena, um daqueles "homem guarda- roupa", treinado a enfrentar situações bem piores que aquela, convenhamos.

Afinal, tratava-se apenas dum ratão entre tantos que existem por aí, a passear pelas vitrines!

E foi assim que numa manhã de domingo,numa simples passagem de plantão de PS, justo na folga de Mariana, uma enorme ratazana foi a óbito, numa dessas inusitadas cenas que mais parecem um pastelão de ficção.

Cenas cômicas, mas que nos inspiram sérias reflexões.

Nota:

Transcrição do que me contaram...