Querido Diário

(Natal de 2003)

Hoje arrumei-me bem , verifiquei o cabelo se estava de acordo e achei - o lindo de morrer - principalmente o tom avermelhado.

Vesti aquela bela blusa esquecida há cem anos,

e a bolsa nova que comprei - estava guardada ; o perfume discreto ,o batom escolhido a dedo e fui para o shopping.

É , gastar mesmo. Tem coisa melhor?

Mais rivitalizante e anti - depressiva?

Desconheço.

Dei uma outra olhada no espelho e fiquei realmente confortável , ou ao menos me sentindo assim.

Nas cores da bandeira nacional ,cores essas que não costumamos usar juntas

pelo óbvio, mas podem notar como elas se casam e ficam perfeitas. Propícias para a ocasião.

O dia meio nublado e escuro , deixou-me com o ar muito mais aceitável na penumbra do meu espelho , que não tem aquelas luzes desastradamente fosforescentes - frias, que denunciam todos os maus sucedidos caminhos

trilhados e acabam por nos empurrar para dentro do armário mais próximo ou embaixo dos lençois , com vontade de nunca mais sair.

Uma vez li que estas luzes frias , deveriam ser exterminadas de todo provador de loja que se preza.

De todo o lugar onde alguém com uma certa idade possa entrar...rs.

Já notou a dureza de se experimentar um biquini num lugar destes, com as

tais luzes?

Lojistas , que querem vender, deveriam abominá-las!

Aqui...cortinas cerradas, tempo nublado,luzes opacas,tudo a meu favor! Sou feliz.

Bem , munida de todos os apetrechos necessários para uma boa saída ,com a tal bolsa que comporta desde coisas importantíssimas e extremamente

necessárias como o batom e até a emergencial como agulha e linha ,endereços completos até do esteticista, passando pelas normais: documentos

de todos os gêneros , numero e graus ,um pacote e tanto ,com alguns cartões

de crédito , lógico ,que ninguém é de ferro.Fui.

Se por acaso me for roubada, não será apenas uma bolsa que levarão.

Levarão grande parte de minha vida .

E me sentirei perdida. Literalmente.

Se me disserem " a bolsa ou a vida" , escolho a bolsa. Com certeza.

Não vivo sem ela.

Ah!... às vezes faço uma troca de bolsa mas evito , pelo trabalho que dá , transferir tuuuudo de

uma para outra.

Elas têm sempre algo em comum: saõ grandes e com

vários compartimento para os cacarecos todos.

Quer saber o maior trauma que tenho?

Alguém remexendo na minha bolsa procurando algo.

Dá falta de ar, sufoco e pânico.

A minha bolsa é sagrada. E pesada.

É assim que gosto.

Afaste-se dela, por favor , se quer ser amigo.

Lá chegando ,passei por um ciber café, não resisti ,entrei e paguei uma hora para teclar apenas para ver as msgs mais íntimas.

Claro que sempre as temos. Aquela do amigo que precisa de ajuda , do primo ou mana...e por aí..

Tomando um café encorpado e me deliciando num silêncio saboroso com a certeza de não ser interrompida a cada teclagem , ó paz , não vi a hora passar.

Mas não foi para isso que fui ao shopping.

Fui mesmo shoppinhar.Saí.

Natal.Tudo enfeitado...beleza!

O povo já se movimenta mais densamente, há uma vibração

"décimo -terceirista" no ar,

os perus profusamente aparecendo nas grades geladas dos frigoríficos...

os frutos da época e todo o cosumismo exagerado deste período.

Verde e vermelho, pingentes e bolas, neve e pinheiros enfeitados,

papai" quase Noel"...O circo completo.

Ah! Quem me dera sumir.Mas vou. Enfrento.

Há energia sim.

Meu povo tem esta energia de não se deixar abater mesmo com uma política destas,

desempregos e coisa e tal. Mas se passamos por tantas, pq não mais esta?

Vamos superar...embora eu tenha vivido cinquenta anos esperando uma fase

melhor...que de repente resolvi viver a fase e pronto, sem esquentar com

nada , nem colocar muita esperança.

Curtir apenas.

Uma fórmula boa para não se decepcionar demais.

E vou.

Comprei muitas bobeiras ,destas que a gente não sabe se vai usar ou dar mas compra. Pelo prazer.

E notem: não sou consumista . E nem jogo dinheiro fora em porcarias mas tem um dia que temos que fazer isto pela saúde mentalÉ vital , creia.

Homens , entendam!

Fui almoçar e depois encarei um filme : O júri, que trata do poder da indústria de armas de fogo.

Não gostei do enredo geral.Não o recomendo, partindo do meu fraco ponto de expectador médio ,enfim..

passaria melhor sem o tal filme ; apenas comprando mais bugigangas.

Mas veja (!), ele teve um ponto proveitoso , positivo no contexto todo :

passei duas horas dentro do cinema sem aquela ansiedade compulsória

natalina de compras.O que me conforta.

E por aí diário, encerro meu dia de consumidora honesta e um tanto quanto desatenta .

Mas ja´completamente apaziguada nos meus mais íntimos reflexos e condicionamentos ,positivos ou negativos, de Pavlov ou não , destituída enfim do abuso

de exercício de poder da CCN . ( compulsão consumidora natalina ).

Pelo menos por algumas semanas. Afinal, conheço bem está época.

Ai ai...

Chego em casa cansada mas satisfeita , distribuo as compras para os devidos lugares .

Penso se teria feito melhor ficando em casa. Acho que não.

Fiz minha parte econômica-social para o andamento geral da economia e crescimento do PIB.

Afinal sou parte da humanidade! E tenho grande consciência cívica.

Até fui vestida de verde - amarelo!

Ou você pensa que a cor era apenas uma combinação casual?

Porém...apenas de uma coisa tenho certeza: minha carteira não estaria tão vazia .

E minha bolsa muito mais pesada.

Bem do jeito que gosto.

luferretti
Enviado por luferretti em 09/09/2006
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