Amigos temperados
Amigos temperados
Por Mariano Soltys
Vi ele sentado no banco, mas não sacou dinheiro. É amigo meu, mas esqueceu. Seu apelido lembro: Chucrute. Também que com a ruiva “só love”. Depois foi embora, quando montou num Bora, saiu pela faixa. Encaixa todo esse fato com o que eu sei, mas há quem o conheça mais. Antes de mais nada me apresento: sou o Gordo.
Noutro momento, eu lamento que não tivesse comentado com Leonarda, ela que o conhecia da escola. Via sempre os dois naqueles primeiros que “ficavam”, no muro, no furo, eixo. Ela tem os cabelos quase ferrugem, ele o passo quase manco. Leonarda e Chucrute: um almoço mais do que germânico. Ele às vezes azedo, ela um tanto enjoada. Somente esta o podia aturar. Artur que o sabia, pois o conhecia, quase sempre quando de repente na serpente do zoológico... Lógico, era um casal mais perfeito que um relógio.
Contudo conheci o Chucrute quando não era ainda empacotado. Um cara que amarra sempre quando emburrado, mas alado quando amado. Não curtia quase nada, mais ainda estava fresco. Com refresco, era espécie de tempero, nos momentos solitários, amigo das melhores horas, senhoras, demoradas. Mais ainda quando estava misturado com aquele outro, o Maionese. Aquele que faz aniversário em maio. Esse último jogava bola, era caipora na floresta. Nada caipira, a não ser em festa junina. Maionese não se esquece que não pode ficar sozinho, que é muito azedo. Mas isso ainda é parte do que lembro.
Antes que me esqueça, vou falar do Salgado, que somente parava em festa. Usou demais do saleiro, por isso do apelido. Ele tinha aqueles óculos esquisitos, quase quadrados. Falava engraçado, trocando o gago pelo rápido. Não gostava de Leonarda, não se misturavam. Ela com problema “de pressão”, mas sem depressão, tirava sarro quando barro havia em seu sapato. Sapo, era também como o chamava. Só a conhecia de vista, pois no almoço estavam sempre os três: Chucrute, Salgado e Maionese. Um azedo, outro difícil de engolir e outro o de sempre. Maionese era sempre molhado, liso. Nas festas, eu que era o Gordo, bem como eles, sempre fomos os primeiros a chegar e os últimos a “ficar”. Fisgar ninguém conseguia, nem gata, traíra. Com ira acabávamos.
Certa vez o Chucrute não estava bom, teve insolação. Desolação. Talvez problema de bactéria. Porém o entendia, ajudava, comprei remédio. Que tédio era não tê-lo consumível. O Salgado ainda não era tão amigo, sumido, antes preferia o doce. Mas isso tudo naquele campo, acampamento, lamento, suculento. Melhor de tudo era o lanche. De lancha, tão rápido passa o tempo, veraneio. Do salgado ninguém gostava, tinha um gosto estranho, um gênio difícil, viajava na maionese. Ninguém merece. Pior ainda que o próprio Maionese.
O Maionese morava na casa sem número, não pintada, com portão que não fechava. Uma vez fui lá e ele tava arrumando o seu rumo, ao estudar para o vestibular. Nem “rolé” naquele dia, mas picolé de sobremesa. Estudava em seu notebook, acho que num e-book, na meia página. De meias. Dizia: “As melhores provas se fazem quando há a opção certa”. Eu confirmava com ele. Sabia sempre a resposta, pelo menos pelo que lembro. Resumo, prumo, balanço, avanço.. Tudo estudava. Até o popô das gatas. Popó lutava na televisão. Tudo contribuía para que tudo desse certo. Torci para meu amigo, que no meio da salada de matérias se encontrava.
Sobre a Leonarda e o Chucrute, no coreto fiquei corado ao vê-la lambuzada. Fazia piada deles, era sempre vela. A fivela minha não suportava as calças, nem valsa, nem dança. Lambança. Pança. Ela fazia dele tempero a sua vida, todo dia, sempre no almoço. Tão moço, azedo. Levedo. Leve foi o medo de tê-los quase pegado, naquela “pegação”. Por fim meus amigos são também temperados com emoção, semelhante a gastronômico momento. Eu sou hoje astronômico, econômico, trabalho no banco. Muito devo aos meus amigos temperados. Tudo de bom, fastfood com bombom.