O Segredo do Dr. Tanaka

O segredo do Dr. Tanaka

Chegou em Jicatinga de tardinha pilotando uma furreca 1927 soltando fumaça e pulando mais que tiziu na moita. Era baixinho, pescoço curto, cabeça chata, com os olhos repuxados tipo oriental, uma mistura de nordestino com japonês. Usava um guarda-pó claro já amarelado de tanta poeira, óculos ray-ban, cabeleira arrepiada quase branca. Trazia um estetoscópio enroscado no pescoço que só tirava para tomar banho ou dormir. O que mais impressionava o povinho era o estetoscópio no pescoço. O alfaiate Titico Almeida do “Salão Agúia de Ouro” com tesoura na mão assuntava com a freguesia: - Pra que qui serve aquilo? É pra usar ni nóis? Ni nóis, onde?

- É pra iscutá segredo da gente, falou seu auxiliar Urinaldo, pra botá nóis na cadeia!

Na cadeira do carona trazia Saddam, um dog alemão mal encarado tão grande que parecia um bezerro. Parou na frente do bar do Gozório, entrou, assentou ao lado de uma mesinha apoiada numa pilha de sabão “Piteira” e pediu: - Água para mim e Coca-Cola para Saddam que sofre de labirintite quando viaja e só melhora arrotando. Gozório limpou o copo com aquela toalhinha azeda que os garçons trazem no ombro e serviu água no copo e Coca-Cola numa cuia. Após beber, Saddam dava cada um arroto que ressoava em derredor de cem metros! O visitante se apresentou:

- Sou o Dr. Hiroshi Tanaka, médico, venho de longe e procuro local para me estabelecer. Não tenho família. Quero terminar meus dias em lugar pacato e Jicatinga me serve. Gostei daqui! Onde tem um cômodo para eu montar meu consultório? Gozório pensou e indicou um cômodo grande e desocupado ao lado da Funerária “Você é o Próximo”. Muito prático, pensou Tanaka, se escapar daqui é só entrar ali! E foi aqui que o Dr. Tanaka montou sua clínica.

Dois dias depois um caminhãozinho desembarcou seus aparelhos: uma cama de exame, uma caixa de ferramentas de metal para parto, um espelho de testa, uma balança “Filizola”, uma maleta com aparelho de pressão, mesas e cadeiras. Colocou na porta uma placa dourada vistosa que dizia: Dr. HIROSHI TANAKA - CLÍNICO GERAL E PARTEIRO. E num cartaz ao lado, avisava: “trato no atacado e no varejo qualquer tipo de padecimento, dou desconto à vista ou financio o tratamento em até seis meses. Se o paciente “embarcar” antes do prazo Saddam vai ao velório cobrar. O atestado de óbito é grátis”. Mocinhas correram pedindo emprego de atendente. O Dr. Tanaka dizia: - Não! Meu ajudante é meu cachorro Saddam. Ele foi treinado para farejar pilantras.

O povo ficava espantado com a esperteza do cachorro que permanecia de plantão na porta da sala de consulta e quando chegava um padecente ele cheirava o visitante pálido de medo e entrava no consultório para avisar ao Dr. Tanaka. Se fosse bom pagador Saddam levantava a pata direita. Se fosse malandro levantava a esquerda. Conhecia pelo faro. Pegava uma sacolinha com a boca e se “plantava” na frente do cliente que deveria colocar ali o dinheiro da consulta antes de entrar. O gari Azionor exagerava: - bicho instruído, sim senhor, dá até troco! Todo mundo pagava porque ninguém era besta. Saddam não perdoava, pegava o mau pagador pelos fundilhos e botava na rua!

Muitos anos se passaram, Saddam morreu, o Dr. Tanaka aposentou e foi morar no seu sítio. Sempre solicitado, nunca revelou o segredo da esperteza de Saddam. Só na hora da morte Tanaka falou com voz desmaiada: - Padre, vou confessar meu segredo. Eu comprei Saddam de um segurança do Congresso Nacional em Brasília. Saddam era farejador de pilantras. Foi dispensado porque a pilantragem lá era muita e Saddam não aceitava propinas!

E finou!