VIDA DE PEÃO - JANTAR A LUZ DE VELAS

Esse romantismo é quase universal. Peão embarca nas ondas mas quase nunca segue os rituais de etiqueta. Eu morava numa cidade e a minha namorada em outra. Fui passar com ela o dia dos namorados e voltei bem à noitinha e esfomeado. Segunda feira cedinho , batente de novo. No entanto, precisava comer. No apartamento onde morávamos eu e o Ferreira, só tinha pães velhos, e um suco de caixinha. Queria mesmo era uma janta. Tinha namorado com tanta fome que me esqueci de comer comida. O Ferreira estava me esperando para levar a namorada para jantar. Ele não tinha carro e me queria como motorista, fazer bonito para a sua donzela. Fui levá-los (no banco traseiro, como manda o rito). Era o restaurante mais chique da cidade entre os dois que havia. A noite era temática, ambiente cheio de flores, penumbra e música pianíssima em tom bem baixinho. Próprio para uns aperitivos e uma boa conversa a dois como entrada. Ocorre que minha fome era inadiável. Propus então me sentar em outra mesa mas fui instado a fazer-lhes companhia. Amigos não são “vela” nem no dia de namorados, me disseram. Ferreira se ajeitou com a delicadeza que lhe era peculiar, sentando-se primeiro e deixando a moça sozinha ajeitar-se em seu lugar. À chegada do garçom, já foi pedindo uma porção de torresmo e duas cachaças (da boa, viu moço! disse delicadamente, quase gritando). O garçom meio constrangido com a cena pouco usual para a ocasião, ofereceu um jarrinho com um botão de rosa à menina, que virou imediatamente cinzeiro para ele. Ela querendo um vinho tinto, teve que se contentar com uma água gasosa, já que não havia no cardápio um legítimo “sangue de boi”, o vinho que ele mais apreciava. Outros não tolerava, “muito rascantes” (palavra que tinha aprendido sei lá onde, sem saber o significado). Sei que o jantar saiu até bem, regado a outras seis ou sete doses a mais “da boa.” Até pensei que ali estava selado o fim do namoro. Mas deu em casamento que dura já faz quase vinte anos. Hoje eu liguei para ele a fim de lembrar do fato e ele me disse preocupado: - Zé, meu filho mais velho está namorando e você precisa ver que rapaz mais esculhambado! Acredita que sequer comprou umas flores para a minha nora? Eu disse: - Você em algum momento lhe contou sobre o início de seu namoro ou será que é alguma herança genética?

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 12/06/2010
Código do texto: T2316093
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