"Minhas Vidas Passadas." =Reeditado por falta de modéstia=
Fui até as proximidades de Brasília realizar um velho sonho: saber sobre minhas vidas passadas. Voltei satisfeitíssimo. Pela primeira vez na vida fiquei sabendo de uma pessoa que em vidas passadas não foi importante: eu.
Não fui bispo, não fui cardeal, não fui papa, faraó, general, imperador, político importante, filósofo, professor universitário, reitor, banqueiro, estadista, escritor reconhecido, musicista, cantor de ópera, cortesão famoso, aspone de rei, rei, ditador, chefe de tribo, não trabalhei na Inquisição, não fui um dos Templários, enfim, nunca me destaquei em nenhuma de minhas vidas passadas, que foram em número de mais ou menos quatrocentos e vinte e duas e quase três (numa delas me abortaram no nono mês).
Na primeira encarnação eu fui um merda. Na segunda freqüentei duas semanas a escola e melhorei um pouquinho. Na terceira regredi por preguiça. Nas outras quatrocentos e dezenove –quase e vinte- era só ir pra frente e pra trás- mas sempre na categoria de simples mortal que não faz diferença alguma vivo ou morto.
Em uma das minhas vidas passadas quase fui importante. Era filho dos nobres Espringó de Golofrene, condes, e tinha tudo para ser um nobre. Mas descobriram a tempo que o título de nobreza fora comprado -e não pago - por meus pais, e acabou-se minha importância naquela vida. Meus pais foram enforcados em praça pública, com cordas elásticas para maior e mais duradouro sofrimento, e eu fui salgado ainda vivo e cortado em postas. Grande posta...
Exigi do “regressador” de vidas que me desse um atestado de que em nenhuma de minhas vidas passadas fui um boiola. Com cinqüenta por cento de acréscimo no preço da consulta saí de lá com o certificado. Um documento do qual muito me orgulho.
Fui gari, fui barnabé, fui catador de papelão, fui ajudante de feirante, fui estripador de peixe, colocador de iscas e anzóis pra turistas, vigia de banheiro público, assessor de traficante, cobaia de laboratório, experimentador de comidas vencidas, ou seja, exerci as mais modestas profissões em todos os tempos nos quais vivi e em todas elas sempre me destaquei. Sempre me destaquei pela total ineficiência e pelo pouco tempo que nelas permanecia, tendo acontecido muitas vezes de perder o emprego quinze ou vinte minutos depois de contratado.
Mas valeu, gente. Valeu mesmo. A experiência acumulada no correr dos séculos produziu o que sou hoje: sei ler direitinho, de carreirinha, escrever mais ou menos, fazer algumas contas, fuçar no computador, transar legal (as mulheres de minha vida nunca se queixaram. Vai ver eram todas bem educadas...), vender uns livros pra sobreviver, dirigir com uma média de três multas por mês. Uma vida razoável desta vez.
A única profissão que me deixou humilhado, nas muitas que tive nas muitas vidas que tive, foi quando fui promovido a “Encarregado Geral da Limpeza Real”, cargo de alta confiança que me deu Luiz XXIV. Só eu podia – e tinha que- efetuar a limpeza da real poupança com lenços de linho assim que ele acabava de fazer suas reais necessidades. Essa vida, no entanto, durou pouco. Suicidei-me assim que ele me promoveu a “Balançador Exclusivo do Pênis Real Após a Urinada Real”.