NEM O DIABO AGUENTA

Anos 70, estava eu morando e trabalhando em São Paulo, curtindo a famosa garoa da qual tanto fala e canta o Caetano Veloso, quando presenciei uma cena incrível.

Após um dia estafante no escritório, envolvido com a papelada e uma burocracia de abalar os nervos, desci com os colegas de trabalho para o aperitivo do final de expediente, o tradicional jogo de palitinhos e aquele bate-papo de botequim, onde se discute de tudo, futebol, religião, política, mulheres e “otras cositas mas”.

Adentramos o Bar do Zeca, um português jovem ainda, simpaticão, fomos aos tamboretes do fundo, tomamos assento junto ao largo balcão de mármore branco e fizemos os nossos pedidos:- caipirinha pra um, fogo paulista pra outro, cervejinha aqui, gim tônica acolá, tira gostos variados, etc. , do jeito que o diabo gosta. Fomos servidos ràpidamente (atendimento nota dez) e o jogo de palitinhos começou a toda.

Daí a pouco, emboca no bar um sujeito estranho, alto, barba por fazer, olhos arregalados, senta-se num tamborete próximo e pede ao Zeca:-

“- Ô, prezado, me dá um copo bem grande e me traz uma cana, ligeiro!”

É atendido, pega a caninha no copinho e joga dentro do copo grande. Aí, chama o Zeca de novo, bradando alto:-

“- Parceiro, me traga uma dose de conhaque de alcatrão, pode ser?”

A dose do conhaque lhe é servida, ele pega o copinho, leva ao nariz, cheira a bebida e a entorna no copo grande. Olha para um lado e outro e solicita o Zeca de novo:-

“- Aí, você tem fogo paulista? Quero uma dose!”

Vem o copinho com a bebida, o nosso amigo ergue-o contra a luz, admira, olha para os lados e voltando ao copo grande entorna o fogo paulista dentro. A essa altura, os freqüentadores já diminuíram suas conversas e prestavam atenção ao barbudo. E ele bradou ao Zeca:-

“- Agora, amizade, me traga aí uma dose de gim.”

Chega a dose do gim, o comprido ergue o copinho, admira a bebida, dá uma cheirada e entorna tudo dentro do copo grande. Volta-se pro Zeca, o qual atendia duas pessoas lá na ponta do balcão e grita de novo:-

“- Ô, portuga, me traz aí uma dose de uísque, pode ser nacional mesmo!”

Vem o uísque, o cidadão procede da mesma maneira, a curiosidade de todos aumentando gradativamente ... E ele entorna a dose do malte dentro do copo grande. Aí começou a surgir uma fumacinha azulada na boca do copão, mas ele não se alterou. As pessoas cada vez mais interessadas no desfecho, algumas até apostando, o comprido chama o Zeca outra vez e ele vem, já de saco cheio:-

“- E agora, meu chapa? O que vai ser? ...”

“- Agora, pra encher o copão, me traz aí uma dose dupla de vodka russa, tá certo? Rápido!”

O Zeca volta de lá com a dose dupla, o cara ergue o copo, admira a bebida, sorri enigmático e entorna tudo dentro do copão, duma vez só. Ouve-se um chiado, a fumaça azulada sobe mais alto e surgem algumas bolhas na superfície da mistura. O pessoal do bar, à essa altura, já estava todo em volta do indivíduo, curiosos pelo desfecho do caso, inclusive o Zeca.

“- Olha aí, vocês tão vendo esse coquetel aqui?” – Erguia o copão bem alto, virando devagar para todos os lados, repetindo a pergunta:-

“- E aí, tá todo mundo vendo? Pois vou dizer uma coisa:- isso aqui, amizades, nem o diabo bebe, tá sabendo? Nem satanás! ...”

Soltou uma gargalhada estrepitosa, largou o copão borbulhando em cima do balcão e se mandou, dando o cano no pagamento da despesa.

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B.Hte., 19/05/10

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 19/05/2010
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