Todo autor sabe disto. Não existe provação maior do que Noite de Autógrafos.
Conheço muita gente boa que se recusa a escrever um livro só para não passar por essa tortura medieval.
O livro fica pronto –uma tetéia! – lindo de viver ,capa perfeita , miolo perfeito ,papel do melhor ,impressão gráfica ,perfeita.A gente o toma nas mãos ,como um bebê ,coração acelerado ,inundado de felicidade.
Enfim ,você é um escritor.Colega de Dostoievski , Balzac ,Machado e outros menos votados.
Você fica imaginando como é que a Literatura Brasileira sobreviveu todo esse tempo sem a sua presença.
Ai,alguém lhe lembra a famigerada noite.Você recua ,ou melhor ,tenta recuar.Sem sucesso!
Amigos ,editores ,livreiros ,todos conspiram visando essa noite.
Os vizinhos perguntam:
-Quando será o lançamento? Onde?
Intimamente ,pensam:
-Será que vai ter cock-tail ?Ao menos , uma cervejinha...
Bom, um filho teu não foge à luta ,Brasil!
E,invocando a coragem dos cristãos que entram na arena e a displicência e serenidade dos pagãos que encaravam a fogueira ,você marca a data.
Nunca aos domingos ,mas ,pode ser nas segundas –ou quartas. Nas noites desses dias as pessoas não têm o que fazer e, se tiver boca livre ,virão com certeza.
Você começa a cumprimentar mais cordialmente seus vizinhos ,inclusive o velhote do quarto andar que acha os escritores uns sem que fazer e desconfia de todos os poetas ,até mesmo dos concretistas ,que ele pensa que são uma espécie qualquer de engenheiro.
Os parentes serão todos lembrados.
Até mesmo aqueles que você não vê e nem fala há milênios.
No shopping encontra seu primo ,aquele morador da Ceilândia que sempre lhe dava coques na cabeça quando sua mãe não estava olhando.
Muito mais forte que você que abria o berreiro ,chamando a atenção de todos
-EU!? Eu não fiz nada , tia, invenção desse garoto.
E,que, ao passar ao seu lado, segredava:
-Mariquinhas!
Pois é ,você encontra o primo ,apressa o passo ,o cumprimenta efusivamente e pergunta pela mãe dele.
Ele o olha torto.
Mamãe morreu fazem cinco anos.
Prá isso serve ser escritor ,você tem bate – pronto.
-Morreu prá você ,filho ingrato;ela continua viva no meu coração.
O primo ,azedo ,pergunta:
-E, você, faz o que!?
-Sou escritor.A propósito queria lhe convidar para o lançamento do meu livro ,depois de amanhã.
Você engasga.
Escritor!? Kakakaká.Mamãe sempre disse que você não daria mesmo prá nada...
E,deu um risinho superior.
Mas,chegou a grande noite.
Há três dias de caganeira , nervoso ,mãos sempre úmidas, você indaga aos seus botões:
-E se ninguém for?
Pronto. A sorte está lançada.
Você está sentado na sua mesa florida junto a uma pilha de livros pronta para ser vendida e autografada.
Você até comprou uma caneta Cross, brincando com ela entre os dedos,enquanto conta, mentalmente ,pela décima vez ,quantas pessoas poderão vir.
A sorte são os filhos , noras e netos.
Intimados ,vieram todos, sua mãe inclusive ,pois a boa velhinha nunca lhe faltou ,desde o dia do seu nascimento;estava ali ,firme e forte.
Bem, havia ali umas vinte pessoas.Pelo menos ,a sala não ficaria vazia.
O cheiro dos salgados do patrocinador que você arrumou e as idas e vindas do garçon enluvado, carregando a bandeja com uísque, começava a atrair curiosos.
Bem ,com as mãos úmidas ,você começou a dar autógrafos.
A pilha, ao seu lado, começa a diminuir.
Você respira, aliviado.
De repente ,um senhor alegre ,entra trazendo uma turma de dez pessoas.
Você sabe que o conhece, mas , igual a seu computador ,você ,não tem memória ,só uma vaga lembrança.
Nem sabe seu nome.
O velho vai chegando ,lhe dá um abraço de quebrar ossos e diz:
-Muito bem .Estou aqui com uns amigos.Mas,a gente só compra seu livro se você lembrar o meu nome.
Você sua frio.
Um branco total invade seu cérebro; fugiram todos os neurônios. O velhote espera.
Dê repente ,fez-se a luz; você se pega,dizendo:
José Joaquim Figueira do Nascimento ,meu prezado vizinho em Niterói.
O velho e a turma compra o resto dos livros.
Você respira fundo. Acabou.
Conheço muita gente boa que se recusa a escrever um livro só para não passar por essa tortura medieval.
O livro fica pronto –uma tetéia! – lindo de viver ,capa perfeita , miolo perfeito ,papel do melhor ,impressão gráfica ,perfeita.A gente o toma nas mãos ,como um bebê ,coração acelerado ,inundado de felicidade.
Enfim ,você é um escritor.Colega de Dostoievski , Balzac ,Machado e outros menos votados.
Você fica imaginando como é que a Literatura Brasileira sobreviveu todo esse tempo sem a sua presença.
Ai,alguém lhe lembra a famigerada noite.Você recua ,ou melhor ,tenta recuar.Sem sucesso!
Amigos ,editores ,livreiros ,todos conspiram visando essa noite.
Os vizinhos perguntam:
-Quando será o lançamento? Onde?
Intimamente ,pensam:
-Será que vai ter cock-tail ?Ao menos , uma cervejinha...
Bom, um filho teu não foge à luta ,Brasil!
E,invocando a coragem dos cristãos que entram na arena e a displicência e serenidade dos pagãos que encaravam a fogueira ,você marca a data.
Nunca aos domingos ,mas ,pode ser nas segundas –ou quartas. Nas noites desses dias as pessoas não têm o que fazer e, se tiver boca livre ,virão com certeza.
Você começa a cumprimentar mais cordialmente seus vizinhos ,inclusive o velhote do quarto andar que acha os escritores uns sem que fazer e desconfia de todos os poetas ,até mesmo dos concretistas ,que ele pensa que são uma espécie qualquer de engenheiro.
Os parentes serão todos lembrados.
Até mesmo aqueles que você não vê e nem fala há milênios.
No shopping encontra seu primo ,aquele morador da Ceilândia que sempre lhe dava coques na cabeça quando sua mãe não estava olhando.
Muito mais forte que você que abria o berreiro ,chamando a atenção de todos
-EU!? Eu não fiz nada , tia, invenção desse garoto.
E,que, ao passar ao seu lado, segredava:
-Mariquinhas!
Pois é ,você encontra o primo ,apressa o passo ,o cumprimenta efusivamente e pergunta pela mãe dele.
Ele o olha torto.
Mamãe morreu fazem cinco anos.
Prá isso serve ser escritor ,você tem bate – pronto.
-Morreu prá você ,filho ingrato;ela continua viva no meu coração.
O primo ,azedo ,pergunta:
-E, você, faz o que!?
-Sou escritor.A propósito queria lhe convidar para o lançamento do meu livro ,depois de amanhã.
Você engasga.
Escritor!? Kakakaká.Mamãe sempre disse que você não daria mesmo prá nada...
E,deu um risinho superior.
Mas,chegou a grande noite.
Há três dias de caganeira , nervoso ,mãos sempre úmidas, você indaga aos seus botões:
-E se ninguém for?
Pronto. A sorte está lançada.
Você está sentado na sua mesa florida junto a uma pilha de livros pronta para ser vendida e autografada.
Você até comprou uma caneta Cross, brincando com ela entre os dedos,enquanto conta, mentalmente ,pela décima vez ,quantas pessoas poderão vir.
A sorte são os filhos , noras e netos.
Intimados ,vieram todos, sua mãe inclusive ,pois a boa velhinha nunca lhe faltou ,desde o dia do seu nascimento;estava ali ,firme e forte.
Bem, havia ali umas vinte pessoas.Pelo menos ,a sala não ficaria vazia.
O cheiro dos salgados do patrocinador que você arrumou e as idas e vindas do garçon enluvado, carregando a bandeja com uísque, começava a atrair curiosos.
Bem ,com as mãos úmidas ,você começou a dar autógrafos.
A pilha, ao seu lado, começa a diminuir.
Você respira, aliviado.
De repente ,um senhor alegre ,entra trazendo uma turma de dez pessoas.
Você sabe que o conhece, mas , igual a seu computador ,você ,não tem memória ,só uma vaga lembrança.
Nem sabe seu nome.
O velho vai chegando ,lhe dá um abraço de quebrar ossos e diz:
-Muito bem .Estou aqui com uns amigos.Mas,a gente só compra seu livro se você lembrar o meu nome.
Você sua frio.
Um branco total invade seu cérebro; fugiram todos os neurônios. O velhote espera.
Dê repente ,fez-se a luz; você se pega,dizendo:
José Joaquim Figueira do Nascimento ,meu prezado vizinho em Niterói.
O velho e a turma compra o resto dos livros.
Você respira fundo. Acabou.