A PRIMEIRA VEZ QUE FUI NA ZONA

Quando eu era criança, morava a uns dois quarteirões abaixo da zona boêmia de minha cidade. Na minha curiosidade natural de criança, ficava doido para saber o que se passava ali. Um dia um de meus amigos, filho de uma mulher de lá me disse:

-Você precisa ver, lá no salão do cabaré dança todo mundo pelado!

Na minha inocência de criança acreditei, e disse:

-Um dia vou lá ver isso.

Certo dia, eu já rapazinho, mas ainda menor de idade, me aventurei a ir lá, antes de entrar no salão de danças, deparei-me com o soldado João Capeta, que me disse:

-Que que cê tá fazendo aqui, moleque, casca fora!

Sai correndo cantando botinas e desci a rua correndo como um catingueiro.

O tempo foi passando e minha curiosidade só aumentando. Afinal chegou o grande dia: o dia de minha emancipação, tirei minha carteira de identidade e meu título de eleitor. De posse de meus documentos, lembrei-me de meu professor de Direito Civil que diria:

-Agora você é um cidadão maior de idade, no pleno gozo dos direitos de cidadania. Custei esperar chegar à noite para poder finalmente conhecer a vida boêmia.

Na Zona tinha o time das Marias: Maria Banana, Maria Raposa, Maria Pra Frente, Maria Lambreta, Maria Biscate, Maria Rumbuda e a Maria Fornaia.

Ao chegar ao cabaré, pensei comigo:

-Agora sou senhor dos meus narizes, quero ver qual fedaputa que vai me mandar embora.

Da rua ouvi o barulho da sanfona, com o coração aos pulos entrei no bar e fui direto ao salão de danças. Que decepção... um sonolento sanfoneiro abria e fechava o fole da sanfona, acompanhado por um desanimado violonista, e por um cidadão, que, devia ser sócio majoritário de um alambique e havia consumido de uma só vez a metade da produção anual de cachaça e espancava sem dó nem piedade um pandeiro.

No enorme salão havia apenas duas mulheres, as quais, na falta de cavalheiros dançavam um xote, juntas, vestidas e discretamente por sinal. Fiquei meio abobalhado no salão olhando as duas dançarem, de repente alguém bateu no meu ombro. Era um mulato sarará alto, que me disse:

-Vamos apartar aquelas duas?

Eu meio “sonado” perguntei:

-Apartar? Uai, elas tão brigando?

-Não sô, é separar as duas para dançar, eu danço com uma e você com a outra. Topei a parada e fui dançar com uma delas, pensei:

-É agora que a porca torce o rabo...

Outra decepção: ela manteve certa distância de mim, colocou a mão em meu ombro, me “freando”, e dançou como dançavam as moças de família com as quais, eu estava acostumado. Pensei desanimado:

-É...a gente não pode acreditar em tudo que ouve...

* * *

Condensado do livro "Prosa Ruim, Conversa Fiada, do autor.