"BOA DE VOLANTE, MAS FORA DAS PISTAS!"

Embora eu não a veja há algum tempo, somos eternas amigas, daquelas de coração mesmo, e eu a conheci através do seu filho que durante anos foi meu colega de trabalho.

De descendência oriental é uma mulher rigorosamente disciplinada.

Com os seus já noventa e cinco anos de vida , todos os dias caminha pelas manhãs, depois de fazer o seu alongamento de quinze minutos ininterruptos.

Naquela época ela faria oitenta anos e seu filho preocupado com seus reflexos e raros esquecimentos, veio me pedir para que a convencesse a parar de dirigir. Tarefa difícil seria a minha, deduzi!

Tinha um único luxo: o seu fusquinha ano oitenta e três, uma baratinha bege bem cuidada e caprichosamente polida , que vez ou outra eu a via brilhando sob o sol, a descer e subir vagarosamente a rua aonde coincidentemente morávamos, num mesmo condomínio.

Depois da caminhada sua distração era sair com sua dama de companhia para o supermercado, no volante, aonde também vez ou outra nos encontrávamos entre os hortifrutis, a discutir o preço e a qualidade dos produtos.

Perfeccionista e elegante. Sabia o que melhor lhe convinha e sempre estava inteirada das ofertas dos produtos de época que faziam bem à saúde.

Nunca abandonou o seu impecável colar de "pérolas biwa" que delicadamente lhe enfeita o colo.

E me contava:"não quer que eu dirija só porque outro dia esqueci de pôr gasolina, isso acontece com qualquer um!" -dizia convencida pela razão.

Bom, eu bem que tentei, mas obviamente não obtive êxito algum.

Certa vez, lacrimejando, me declarou que parar de dirigir lhe seria a morte.

Dei lá as minhas sugestões , porém deixei a decisão maior na mão de seu filho.

Numa tarde me procurou inconsolável para me contar a sua maior tristeza: enfim, parara de dirigir e sentia-se sem pernas!"Ele me proibiu", me contou indignada." ELE ME DISSE QUE AGORA É DEFINITIVO!"

Perguntei por quê.

Contou-me que o fato que a tirou definitivamente "das pistas" foi uma bobagem qualquer: certa manhã o fusquinha perdeu as rodas dianteiras na descida da rua e disparou em barrigada, até parar no cruzamento duma avenida.

Espantei-me!

"Nossa, e a senhora, não se machucou?" perguntei impressionada.

"Claro que não, essas coisas acontecem...levei o carro no pulso porque sempre fui boa de volante..."

Mas logo fiquei sabendo que o filho não partilhava daquela opinião...

VERÍDICO