O É

Esqueço-me sempre de qual é o seu nome verdadeiro. Chamo-no de É. Ele é uma figura lacônica, circunspecta, taciturna, monossilábica. Baixinho, branco, por volta dos quarenta anos, nem gordo nem magro, com grandes óculos escondendo o rosto. Dei-lhe esse pseudônimo porque pronuncia quase sempre uma única palavra: é. Tudo é é. Para toda a pergunta a resposta é sempre é. E toda resposta ( "é", evidentemente) vem acompanhada de uma expressão facial, de um tom e de uma duração diferente. Se digo " Hoje não estou passando bem!", faz carinha de preocupado, enruga a testa, olhando no fundo dos olhos e pronuncia aquele "é" semi-longo, entre pergunta e exclamação, com voz grave: " É, colega!?"

Quando vêm com uma notícia ruim lá vem ele, em tom de espanto, com olhos arregalados: "É?" Por exemplo, se dizem: " O governo não aprovou o aumento de vinte e cinco por cento para a classe." Lá vem ele: Éééé!? Até se discorda de algo solta um "É" rápido e seco, encarando seu interlocutor com raiva.

O É é safadinho, com aquela carinha de bom moço, vai se chegando e conquistando os corações femininos e para espanto de todos, já está no sexto casamento e detalhe, na hora do "sim", sempre diz "é".

O É é professor de matemática, sua tese de doutorado foi sobre o número de Euler, ou Neperiano, e outras diversas denominações, como preferirem, que é a base dos logaritmos naturais, também chamado de O E, que talvez venha de expoente. Agora, não me perguntem como foi a tal defesa. Eu não estava presente!

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P.S.: Vale lembrar que em português "ser" e "estar" não são sempre a mesma coisa, nem são representadas pela mesma palavra como por exemplo em inglês e alemão, mas que provisoriamente ou até o fim da vida se é enquanto se está.

LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 07/03/2010
Reeditado em 07/07/2017
Código do texto: T2125307
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