VIRGULINO E SHAKESPEARE CONVERSAM NO CÉU - PARTE I

Esta conversa aconteceu há algum tempo, a data exata já não me recordo, mas era ano de 2009, ano em que chegara ao céu Virgulino Ferreira da Silva, um bom homem de coração machucado. Contou-me ele que foi expulso do inferno por desacato à autoridade, Deus, sempre muito compreensivo, justo, generoso, blá,blá,blá... resolveu chamá-lo para o céu. Após toda a burocracia, regulamentação dos documentos e tudo mais, ele chegou. O povo tem preguiça de trabalhar até depois que morre.

Aqui em cima é tudo muito igual, um paraíso para todos. Às vezes as coisas dão uma esquentada, como no dia em que Michael, então recém chegado, perguntara onde morava o tal Menino Jesus, bem, quiseram matá-lo mas ai percebendo que não podiam, apenas trataram de deixá-lo a sós com Hitler, este adorou a idéia de um negro virar branco!

Como dizia, chegou então Virgulino. Postou-se à frente do portão, olhou para São Pedro e disse:

- Ei velho, é aqui mesmo o tal do céu? – pigarreou e cuspiu na nuvem mais próxima.

- Sim meu bom homem... – respondeu o dono da chave dos céus.

- Oxe, tu não me conhece não é macho? Bom é o demônio rapaz, eu sou é mal! – Encarou Pedrinho que logo pôs-se a abrir o portão.

- Vamos entre! – ignorou

- Tá me escutando não velho surdo?

- Meu bom homem entre logo antes que eu meta essa chave na sua fechadura! – O santo saiu do controle.

- É o que macho? Tu sabe quem eu sô não? Sou Virgulino Ferreira da Silva, o maior matador...

- ...do sertão e do Nordeste, já matei muita gente e blá, blá, bla... já sei essa merda todinha, entre logo! – Falou São Pedro desdenhando.

Mesmo querendo já puxar a arma pra cima do bom velho à frente, Lampião conteve-se. Entrou. Logo de cara viu Vasco da Gama, Pedro Álvares e Fernando Pessoa brincando de perguntas e respostas. Fernando um dos poucos inteligentes da espécie, sempre vencia quando Camões não estava. Andando mais para frente encontrou Nietzsche, andando de cabeça baixa. Virgulino o encarou:

- Que foi? Tá vendo tudo isso? - apontou para tudo a sua volta - Tá vendo agora, mas essa porra todinha não existe não! – após dizer isto, o filósofo alemão saiu correndo e gritando...

Virgulino, sem entender por que ele teria dito isto, continuou caminhando, até que um homem de estatura mediana, calvo e de bigode esquisito lhe atravessou o caminho. Se chocaram.

- Ei seu porra, olha por onde anda.

- Os olhos que enxergam a realidade são inúteis meu caro, para quê abri-los?

- Como é macho? Que porra tu disse? Tá mangando do meu oi é?

- Não, não, apenas disse que a realidade que se vê é dispensável ao espírito!

- Fale direito seu bosta!

- Sente o vento?

- È claro que não, estou morto!

- Ah é, havia esquecido...

- Olhe, deixe logo de falar assim seu cachorro da mulesta, me diga logo se quer perder a orelha esquerda ou a direita!

- Nenhum dano que faças a meu corpo será tão doloroso quanto deixares de ser meu amigo... – Virgulino sacou a faca que trazia no quadril.

- Venha me dê a orelha pra cá, já to cheio dessas afeminidade sua. – O senhor espantou-se.

- A meu caro, como cortarás um espírito?

- Oxe, já dei uma surra no demônio, imagine em você seu cabra.

- O que é oxe? – Perguntou, desentendido.

- Quer dizer filho da puta em alemão. – tentou golpeá-lo. Errou.

- Deixe disso, vamos ser amigos. Virgulino deu outra facada. Errou.

- E eu lá tenho amigo macho-feme? Tentou outra vez e errou novamente.

- Porra mas tu é ruim de mira pra cacete hein? – disse o homem...

Ao ver o palavrão ser pronunciado Virgulino encantou-se pelo senhor, seus olhos brilhavam como se tivesse reencontrado Maria Bonita, motivo pelo qual brigara com o lá de baixo.

-Quer dizer que tu fala minha língua, sujeito? – Deu-lhe um abraço.

- É, afinal todos nós aqui em cima falamos a mesma língua. O vento aqui sopra belo como...

- Num comece com essas merda de novo não! – Lampião sorriu, o homem também.

- Mas me diga, qual o seu nome cavalheiro?

- Não macho, sou cavaleiro não, num trouxe cavalo não, mas tu é burro hein? Meu nome é Virgulino Ferreira da Silva, o maior matador do Brasil. Mas pode me chamar de Lampião. – esticou a mão.

- Quer dizer que jogas futebol?

- Que porra é isso?

- Esqueça. Meu nome é William Shakespeare, não me conheces?

- Ora, se conhecesse não perguntaria não é? – deu um forte tapa nas costas do dramaturgo e escritor. Ele meio sem jeito e recuperando-se da tapa respondeu:

- Fui um dos maiores escritores do meu tempo, quiçá de todos os tempos.

- Quer dizer que tu passou a vida escrevendo?

- Bem, quer dizer... – Shakespeare corou.

- Então você pode me ajudar! – William espantou-se.

- Em que?

- Já ouviu falar por aqui numa tal de Maria Bonita?

- Muito gostosa! – Lampião puxou a faca.

-Como é? Respeite seu merda, é minha mulher!

- Ah me desculpe, aqui, ninguém é mais de ninguém!

- Mas onde ela está?

- A última vez que a avistei estava de papo com Homero à beira do rio Entra e Sai.

- Quem é este metido a besta?

- Um poetinha ai das antigas...

- Já sei, vou fazer um poema pra ela!

- Você? E espera conquistá-la com seu poema?

- Claro, e você vai me ajudar, amigão!

- Não sei...

- Que é isso, Chekispi, vamos fazer um poema!

- Tá ok, não tem mais nada pra fazer por aqui mesmo! A dor do ócio me esmaga as amídalas...

Virgulino ainda olhou-o meio de lado, mas resolveu prosseguir. Chegaram à praça Do Intistino Grosso do Tamanduá Mastro Dono dos Cem Pés Para Dentro Da Toca Master Mini Inflável e procuram um lugar livre para sentar. A única mesa que ainda continha espaço era próxima ao lago, só havia um lugar ocupado: Chaplin o ocupava. Ninguém jamais gostou de sentar ao lado de Charles, ficava fazendo macaquices para que os outros rissem, aquilo as vezes enjoava, quase sempre saía da praça triste. Nos outros bancos a galerinha da animação tentava musicar a tarde, John e Kurt cantavam, enquanto Freddy Mercury e Renato Russo faziam as segundas vozes, algo não soava muito bem... Ludwing van Beethoven e Chopin à pouco aprenderam a tocar guitarra, portanto o som não saía lá essas coisas todas - Beethoven assumira um visual estranho , meio emo, vale dizer... anacronismo total!

Então, naquele dia, Lampião, Shakespeare e o eletrizante e agora alegre pelas companhias, Chaplin, começaram a compor um belo poema para bela Maria Bonita, por ora nos braços do velho, velhíssimo, pré-histórico, Homero.