CAUSOS VERÍDICOS DO ITAMBÉ - II - O REVÓLVER
Meados da década de 60. A missa dominical em Itambé, era um evento solene. O adro da Igreja Matriz de Santo Antônio virava um verdadeiro "burródromo", onde os moradores, a maioria da zona rural estacionavam, digo, amarravam seus burros, cavalos, éguas, jegues e mulas, além de alguns carros de boi e carroças. Era o principal meio de transporte daquela época. Na igreja, cada espaço era disputado fervorosamente e os fiéis entravam em êxtase ao ouvir a sacra homilia do carismático, hoje, considerado santo para a comunidade, e respeitado padre Joviano.
Ocasionalmente vinha do destacamento militar do Serro, uma milícia para averiguações e algumas batidas nos ousados e valentes cidadãos que tinham o másculo costume de andar na cintura com uma "peixeira" ou uma arma de fogo.
Num determinado domingo, chega de surpresa, durante a celebração da missa, no adro da igreja, os policiais para mais uma tarefa de buscas. Cada policial posicionou-se numa porta da igreja lotada à espera dos "senhores armados". A missa tomou outro norte, pois eram raros os cidadãos que não estavam armados. Foi aí que mais uma vez manifestou-se o jeitinho brasileiro de forma bem matreira, bem mineira.
O senhor Antônio Alírio, hoje com 86 anos(*), lúcido e com saúde leonina, foi o protagonista de mais um causo verídico em Itambé.
Quando o padre Joviano, deu a benção final, foi um alvoroço na igreja; primeiro saíram as mulheres e crianças e depois em cada porta, uma fila de homens que um a um iam sendo revistados e a cada dez revistados, com sete à oito eram encontradas e apreendidas várias armas, brancas e de fogo.
O matreiro senhor Antônio Alírio, certo de que iria perder seu companheiro inseparável, um lindo revólver 38, teve uma mirabolante ideia: despistar a milícia já! Tal como um bom mineiro, comendo o queijo pelas beiradas, quietinho atrás d'uma moita, aproximou-se sorrateiro do andor do Senhor dos Passos que havia sido usado antes da missa na procissão e sem que ninguém percebesse, sacou de seu revólver e escondeu-o embaixo do manto do Senhor dos Passos. Respirou aliviado e tomou seu lugar na fila para ser revistado. Quando chegou a
sua vez, policiais e e todos presentes, ficaram incrédulos e atônitos no momento em que não foi encontrada nem uma arma com o senhor Antônio Alírio. Pois todos sabiam que ele dormia com o 38 embaixo do colchão e que nunca o tirava da cintura. Mais intrigante foi o sorriso de inocência dado por este respeitado senhor, ao passar ileso pela batida policial.
Na segunda feira, era de costume do padre Joviano, fazer suas orações bem cedo na sala do "Santíssimo". Quando ele se encontrava naquele momento íntimo com o Criador, entra na igreja, cabisbaixo, meio desconfiado, o senhor Antônio Alírio e interrompe aquela cena de conexão divina do padre:
_ Ô sô padre! Eu preciso falar com o senhor.
O padre, de sobressalto, preocupado, perguntou-lhe:
_ Ô meu filho! O que você fez? Quer confessar? Se meteu em alguma confusão?
_ Não seu padre. É que ontem na hora em que os policiais chegaram aqui, eu não queria perder o meu amigo revólver e o escondi embaixo do manto do Senhor dos Passos. O senhor me conhece e sabe que eu não sou de fazer mal à ninguém. O senhor podia deixar eu pegar o meu revólver?
O padre Joviano, após consulta interna com o Padroeiro Santo Antônio, sorriu pela pureza daquela ousadia e tendo recebido a permissão do Santo, concedeu-lhe permissão para reaver o seu revólver. Satisfeito e agradecido, ele o guardou como de costume na cintura e saiu alegre, todo cheio de garbo, contando aos amigos e munícipes a sua artimanha com o 38 embaixo do manto do Senhor dos Passos.
Na surpreendente vitalidade e lucidez dos seus 86 anos, vive nesta cidade o senhor Antônio Alírio, um grande amigo que dá solenes risadas, quando, ainda com garbo juvenil, relata este causo verídico em Itambé.
Com alegria ouvi! Com alegria relatei e com alegria convido à todos para virem à Itambé e pessoalmente ouvir outras tantas e mais esta inusitada história do revólver embaixo do manto do Senhor dos Passos.
(*)Quando me relatou pessoalmente. Hoje o amigo Antônio Alírio(In Memorian) deixa seu enorme legado pra confirmar tais fatos.