Coragem pouca é bobagem

Não sou do tipo de pessoa medrosa, embora tampouco seja um modelo de coragem.

Já caminhei de madrugada pelo Bexiga, em Sampa, sem nem desconfiar que aquele bairro, àquela hora, era pura selva. Sobrevivi, no entanto.

Enfrento a broca do dentista sem anestesia. Encaro baratas sem subir no banquinho. Às vezes passo em frente ao Congresso e contenho a náusea bravamente.

Mas teve uma vez em que senti muito medo!

A primeira vez em que fui às piscinas do Centro Olímpico da UnB, fiquei encantada com aquela série de trampolins de concreto, cada um mais alto que o outro, de onde bravos rapazes e moças corajosas saltavam com garbo e elegância, mergulhando entre borbulhas naquela linda piscina de um azul profundo.

Fiquei morta de vontade de experimentar a sensação de saltar lá do alto e ser recebida pelo turbilhão de água macia e fresquinha!

Então subi os muitos degraus até o trampolim mais alto.

Chegando lá, me aproximei da beiradinha e olhei pra baixo. Aquele quadradão azul, de lá de cima, me pareceu um baldezinho quadradinho. E a moçada em volta da piscina parecia um bando de pigmeus anões. Todos olhando diretamente pra mim. Me retesei, respirei fundo, ergui lentamente os braços... e desisti. Minhas pernas trêmulas não me obedeciam e os meus pés ficaram estranhamente grudados na superfície borrachosa. Virei o corpo devagarinho e voltei pra escada.

Desci pro trampolim seguinte. Dali, o baldezinho já havia progredido pra uma tina quadrada e os pigmeus já não eram mais anões. Mas continuavam olhando fixamente pra mim. Mais uma vez me retesei, respirei bem fundo, ergui os braços... e desisti. As pernas ainda tremiam descontroladas e os pés se recusavam a me obedecer. Então tornei a descer mais um patamar.

No trampolim abaixo, a tina quadrada virou um belo tanque e os pigmeus cresceram mais um bocadinho. Já se podia ver distintamente os olhos de cada um deles voltados pra minha figura quixotesca, que tremia feito vara verde na beiradinha. Novamente respirei fundo, me preparei pro salto... e desisti. Toca pra escada de novo...

Do último e mais baixo trampolim, o belo tanque tornou-se em piscina outra vez e os pigmeus grandinhos viraram pessoas de estatura mediana. E não desgrudavam os olhos desta magrela que vos escreve, nem disfarçavam os sorrisos marotos em seus rostos. É agora ou nunca, eu disse pra mim mesma. Cheguei na beiradinha, estiquei o corpo, respirei fundo, ergui os braços... e amarelei na hora agá. Aqueles pouco mais de dois metros entre o trampolim e a superfície da água me pareciam uns bons e caprichados dois quilômetros. Voltei pra escada, desci com as pernas ainda muito trêmulas e me dirigi pra borda da piscina.

Ah, que alívio! Se tanto, seguros trinta centímetros me separavam da superfície.

Retesei o corpo, respirei fundo, ergui um braço lentamente... e tampei o nariz. Em seguida pulei de pé e mergulhei certeira feito um arpão! Foi gostoso sentir as borbulhas envolvendo o meu corpo, embora eu não tivesse coragem de abrir os olhos. Que, aliás, só abri quando comecei a achar estranho o fato de os meus pés não baterem no fundo. Olhei pra baixo e vi lááá longe algo que vagamente se parecia com azulejos. Depois olhei pro alto e vi lááá em cima a superfície ondulada e brilhante, pra onde um alegre batalhão de borbulhas subia.

Meu fôlego já estava no final da reserva da reserva da reserva.

Convoquei toda a pouca energia que me restava e bati os pés loucamente, sem perder de vista a janela luminosa e ondulante lá no alto, da qual fui me aproximando atabalhoadamente, pensando se chegaria lá ainda viva. Ao emergir entre braçadas e esperneadas e grandes sorvos de ar e engasgos e tossidas e cuspidas, pude ouvir os aplausos entusiasmados da galera, que batia palmas, assoviava e dava grandes hurras pra heroína intrépida.

Galguei ainda trêmula a beirada, me ergui tropegamente, estufei o peito e, com um largo sorriso, juntei as mãos no alto, na típica pose de campeã que comemora o grande feito.

Aí é que a rapeize foi abaixo! As gargalhadas devem estar ecoando entre aqueles benditos trampolins até hoje...

E a minha carreira de mergulhadora terminou gloriosamente, antes mesmo de começar.

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 19/01/2010
Código do texto: T2039037
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