Budêgo, Zé da Fia e o Capeta

DUELO NAS NUVENS

Já saiu da pia batismal carregando na carcaça um nome de assombração: Budêgo. Não me perguntem de onde tiraram este despropósito. Nasceu descalibrado, zarolho e perneta. O caminhar era completamente estranho: pernas arqueadas e andar de pato.

Morava num lugar muito atrasado com o nome de Jicatinga. Era fanático pelas conquistas do Império Romano e fã de Júlio César. Enquanto virava as páginas dos livros ia pronunciando baixinho a mesma palavra: capeta! Ninguém entendia por que. Usava gravata borboleta e boné zebrado.

Zé da Fia, outro tipo esquisitão do local, formado pelo Almanaque Capivarol, também gostava de dizer que entendia de tudo. Vestia colete ensebado com um enorme relógio na algibeira que mais parecia um despertador. Quando bebia era um terror: parava nas esquinas e discursava ao vento. Numa Semana Santa, em plena procissão do enterro pediu a palavra interrompendo o canto da Verônica e garantiu que Judas veio trair Jesus pilotando um disco voador. Sim, senhor, um disco voador! Sustentava que Santos Dumont já tinha ido à lua antes dos americanos, vejam só! Vestia chapéu de três bicos e roupa de missa para homenagear Napoleão Bonaparte pela conquista de Assunção durante a Guerra do Paraguai e assegurava que foi aí que ele recebeu o título de Duque dado pelo Governo Brasileiro. Que loucura!!! Confundia Bonaparte com Caxias e a Revolução Francesa com a Guerra do Paraguai! Parava, fazia posição de sentido em plena praça, tocava uma corneta feita de jornal enrolado e imitava Caxias: "Sigam-me os que forem brasileiros". Seguir prá onde, perguntavam? Nem ele sabia!

Zé da Fia começou a ter ciúmes e queria descobrir o mistério de Budêgo. Pensou até em duelo de garrucha ou pescoção mal encarado. Os juízes do duelo seriam Caninana e Lacraia, os maiores pinguços da região que exigiram dois litros de pinga prá animar a refrega, melhorar as pontarias, garantir a “honestidade” do combate, a distância e a posição dos candidatos a defunto.

Um dia Budêgo encarou Zé da Fia na porta da biblioteca e inquiriu solene:

- Meu senhor, o que quer o distinto cidadão comigo (gostava de falar empolado!)?

E Zé da Fia conseguindo a custo controlar as caninanas que cuspiam fogo dentro do peito:

- É o seguinte, seu Budêgo, eu só queria saber por que o senhor fala tanto no capeta? Ta incomodando!

E Budego: - É porque li que um centurião romano ao vencer o último inimigo proclamou:

- Destruímos Cartago! Matamos Annibal. Não vai haver mais guerra! Perderemos o emprego. Roma não vai mais precisar de nós. Vamos todos morrer de fome! Nossas mulheres e filhos também!”

Aí fiquei com pena dos home, surtei. Concluí que as guerras eram necessárias e tudo quanto é bom e ruim também. Comecei a pensar na importância do capeta. O capeta não podia morrer! Sua morte seria o fim de todas as orações e promessas! Ninguém vai mais rezar o terço! Vai acabar o medo do inferno! Aqui em Jicatinga, seu Hijuldézio vai perder o emprego de coroinha da Igreja, dona Aldegunda não fará mais faxina; dona Mijardina não terá mais estolas e batinas prá lavar, dona Deocleides não fabricará mais hóstia e dona Cafubira não fará mais velas. Até o Chico Carrapeta que acaba de fundar uma Igreja em Pito Aceso e já tá enricando vai perder a freguezia. Perseguir, sim, matar não! E saiu em passo de sete de setembro.

E por causa do capeta, que nem sabia da existência destes dois muquiranas, Budêgo e Zé da Fia ficaram inimigos até a morte. Alguns dizem que durante as tempestades, os trovões mais fortes são tiros de bacamarte entre os dois duelando nas nuvens.