COINCIDÊNCIA EXISTE

COINCIDÊNCIA EXISTE!....

Volto ao passado e relembro dos maravilhosos finais de semana em uma chácara de um parente ricaço. Chegávamos lá na sexta-feira à noitinha e só voltávamos para a cidade ao final da tarde do Domingo.

Ainda no primeiro dia de permanência, ia ao curral pajeado por um caneco de alumínio que tinha muita história para contar sobre leite, espuma e torrões de açúcar, para não falar de bigodes brancos. Saía de pança cheia igual a um timbu depois de passar no galinheiro. Vinha tão lentamente para a casa sede da propriedade que chegava a ver os vaga-lumes piscando sobre a relva rasteira que margeava o caminho, enquanto a noite caía. Era apenas o aperitivo para o jantar farto e as conversas no alpendre pouco iluminado.

O tempo escoava tão deliciosamente que os devaneios advindos das histórias da carochinha e de assombração só eram interrompidos pela voz estrondosa do patriarca mandando “todo mundo dormir porque amanhã é dia de feira”. A reunião era encerrada imediatamente. Cada qual ia para a cama ou para a rede, guiado por seus próprios motivos. Eu, por exemplo, ia porque sabia que tinha que me levantar mais cedo que todos para colher os maracujás generosos que pendiam da cerca dos fundos da chácara. Por experiência própria, aprendera que, se dormisse no ponto, não encontrava um só daqueles frutos porque alguém se antecipava e os colhia, deixando só os rastros por testemunha. Ao longo da safra, pude contabilizar colheitas e rastros, mas nunca cheguei a encontrar aqueles que competiam comigo na empreitada de colher frutos frescos com o sabor acrescido da esperteza de colher antes. Na verdade, eu nem sabia, e alguém jamais me dissera, quem plantara os maracujazeiros: se o meu anfitrião aparentado ou o seu vizinho dos fundos.

Anos mais tarde, já estudante universitário, exercendo a docência a título precário, em uma escola de nível médio, eu conheci uma moça que, coincidentemente, era da cidade onde estava situado o sítio de tão boas recordações da minha primeira fase da adolescência. Logo que soube, tive a curiosidade de perguntar se ela conhecia o local. Surpreso, descobri que o sítio dos fundos era do pai da garota. Sentindo-me cada vez mais atraído pela sua graciosidade, sempre a procurava para conversar nos intervalos das aulas, mas faltava sempre a coragem para revelar a história do roubo dos maracujás da cerca. Certo dia, no meio de um bate-papo animado, ela tocou no assunto dizendo: você sabe que eu ia todo Sábado, bem cedo, quase com escuro, pegar os maracujás do terreno do vizinho? Sorri e, se não me engano, até teci um comentário elogioso pela esperteza daquela jovem.

Os anos passaram, passaram, passaram e de vez em quando, nos balançando em uma rede, relembramos do tempo em que, eu e minha esposa, roubávamos maracujás um do outro.

Marcos Medeiros

Natal, 06 de janeiro de 2010