BRANCA DE NEVE E O CAVALEIRO DE NEGRO
Sempre gostara do branco, da neve. Até da musicalidade mansa dos flocos caindo, ou da melodia onomatopaica da palavra "floco", desfolhada de um sopro... Escusado será dizer que a sua heroína de infância era (ainda) a Branca de Neve!...
Cresceu a sonhar com um cavaleiro vestido de branco, montado num cavalo branco, que a levasse em nuvens (brancas!) até um nupcial leito de alvas penas de cisne branco...
Enquanto ele não chegava (ou ela não o encontrava), firmou a sua própria vida, comprou um apartamento que decorou todo em branco - pavimentos, mobiliário, adereços, tapetes... - e ofereceu-se um companheiro a condizer, um lindo gato persa de pêlo fofo, branco, macio, um verdadeiro floco de neve morna, a quem só permitiu uns olhos verdes como insinuante nota de cor - o Seven.
Mas do cavaleiro vestido de branco, nem sombras! (aliás, só sombras!...) Vinham todos vestidos de cores impuras, com ares mais de rude Sancho do que de refinado Quixote e modos da mais prosaica obscuridade... Tentou, a mais que um, oferecer roupas brancas, para ver se a magia se dava, mas quê?, chegou à conclusão que o hábito não faz o monge! O seu cavaleiro branco tinha que ter luz própria!...
Até que O conheceu. Era Ele! Elegante, garboso, bem falante, sedutor, sofisticado... Nem reparou que nem se vestia de branco! Convenceu-se ainda mais que é pelo andar da carruagem que se lhe sabe a cor... Ele era só luz, para ela! Luz ofuscante que a envolvia e a elevava em realce! Definitivamete, era Ele! Nem o cavalo refulgente lhe faltava (que por acaso era preto...), um Maserati Quattroporte Sport GT S...
Era final de ano e o "réveillon" foi planeado já a dois, no apartamento dela. Tudo tinha que estar perfeito! Os pormenores foram cuidados com esmero e às oito da noite ela já o esperava, vestida com um sedoso vestido branco drapeado. Na mesa, só o brilho dos cristais se destacava na brancura total, por todo o lado, fofas almofadas brancas, a perfumar o ambiente, flocos de velas estrategicamente colocadas... Ela sorriu para o Seven, o seu gatinho persa, que ronronava exigências de mimos nas suas pernas bem torneadas... Um tremor feliz da sua dona sacudiu-o bruscamente, quando a campainha tocou: "Vou fazê-lo sentir-se nas nuvens!", disse baixinho, mas o gato, ofendido, virou-lhe as costas e, de um pulo elástico, foi amortecer o seu despeito na suavidade do sofá.
O seu príncipe finalmente chegara... todo vestido de um sóbrio negro total. Ela olhou-o e nem viu o risco, puxou-o para dentro com um beijo e só viu (mesmo à media luz) a mesma luz que a trazia ofuscada de amor...
Seven revolveu-se desconfortavelmente na confortabilidade do sofá e nos seus olhos verdes acendeu-se um risinho felino, a raiar os ciúmes. O parzinho de amantes, lado a lado, como teclas de piano, coordenava beijos com a melodia de fundo...
Ela afastou Seven, que os olhava irrequieto e inquieto, com uma das alvas e delicadas mãos, enquanto que, com a outra, puxava o amado e o instalava no conforto macio. Sobre a mesa de apoio havia dois aperitivos já preparados e ela serviu-o com graça, enquanto se sentava ao seu lado e debicava beijos no líquido branco do seu copo...
Até que chegou a hora de darem início ao jantar sofisticado que os aguardava na mesa...
Seven tinha-se entricheirado num canto e espiava-os sorrateiramente. O príncipe de negro levantou-se, e, num acender de luz, o seu brilho embaciou... só o seu olhar pareceu chispar, mas de indignação: o seu belo e impecável "outfit" preto puro estava totalmente profanado, maculado, adulterado! Em sacudidelas furiosas, tentou livrar-se do pêlo insidioso e da solicitude da aturdida Bela das Neves...
Perdeu-se o encanto!
Em efeito bola de neve, ele perdeu a compostura e ela perdeu a cabeça (e o namorado...)!
Ah, e o Seven também achou por bem perder-se no meio do branco que restava, não fosse o rubro de raiva da dona sobrar para ele, quando a porta batesse...
Moral da história:
Quem tem gato, não caça com pele de cordeiro, pois pelo pêlo morre o belo peixe que salta para a mesa e, mal por mal, mais vale ser pardo à média luz, do que gato preto pelas escadas abaixo...
:-) mmmmm...? ok, aceitam-se provérbios para a moral da história...