PELOS "SEM ETIQUETAS NACIONAIS"!
Nesses dias de tanta festa é praticamente impossível escapar da comilança, e a toda reunião de mínima confraternização, lá estamos nós a computar quilinhos a mais. Todo mundo tem uma receita nova, já perceberam?
Tenho uma amiga casada com um francês que é metida a gastronomia internacional, aliás tudo nela é internacional, até o cachorro,e como não poderia deixar de ser, obviamente nada mais ocasional do que fazer um pratinho diferente e convidar os amigos, a la etiqueta de fora.
Ela então começou tres meses antes a falar do prato que faria na nossa reunião de fim de ano.
Tratava-se dum prato que aprendeu no Marrocos mas que sinceramente, embora ela tenha feito tanta propaganda, no momento me foge o nome da iguaria. Só sei que é frango com grão-de-bico, e que não é paella.
Pois bem, essa minha amiga também é chegada a tudo quanto é etiqueta de comportamento e confesso que me perco um pouquinho em tantos detalhes mais que dispensáveis, a meu ver, claro, jamais ao ver dela.
E foi assim que dia desses fui a sua residência para desfrutar das horas agradáveis que ela prometia.
Tudo impecavelmente arrumado, uma mesa de dar inveja a qualquer professora de etiqueta tradicional...e internacional, claro!
Fez questão de me servir seu grão- de -bico com uns temperos diferentes que de cara percebi que não me cairiam bem, afora o saleiro que roubou todo o sal do mundo marinho!
É lógico que tentei me virar com o prato enquanto ela discursava da maravilha que acabara de "inventar", aposto! "Que Marrocos que nada!" pensava eu bem baixinho, com os meus botões.
Usei dos talheres mais apropriados para a carne que sobrenadava ali, e que escorregava daqui, beberiquei o caldinho mais leve, enfim tudo como manda o figurino das boas maneiras...mesmo entre amigos de longa data.
"E aí, não está uma maravilha o meu prato especial de Natal?"-"alguém quer mais um salzinho?"-perguntava repetidamente a todos. Nenhum "ai" foi ouvido ao contrário".
Olha, se tem uma coisa que odeio fazer é estragar prazeres dos outros, não faço isso nem morta! Embora me sentisse quase...
Preferi morrer salgada mesmo.
"Claro que está, estou saboreando bem devargarzinho" dizia eu para não dar na vista que não havia apreciado tanto quanto ela gostaria.
Mas consegui, e lá no final do último gole do meu caldo "empurrado" , quando eu me senti super aliviada, ela logo comemorou e lamentou:"ah, já acabou!- toma mais uma concha!"
E lotou o meu prato até a boca, acreditem! Fui às raias do desespero e, claro, deixei a iguaria ali mesmo...sobrenadando naquele mar salgado...
"O que foi, algum problema, não gostou?" insistia.
"É que...vou deixar um espacinho para a sobremesa", disse eu já me perguntando se seria algo internacional o tal do meu argumento.
E ela e seu salgado prato, por acaso seriam "etiqueta internacional"?
Depois daquele dia, passei a preferir -e sem titubear!- todos os "sem etiquetas" nacionais mesmo. São mais palatáveis, garanto-lhes.
Dessa história me valeu um entendimento e um pedido de desculpas à minha sobrinha Rafaela , que quando era pequenina abria o maior berreiro quando eu lhe anunciava:"olha o que a titia fez pra você,uma super nutritiva salada de rúcula".Juro, a minha intenção era da melhores.
A menina abria a boca e não fechava mais até que a rúcula desaparecesse da frente dela, e eu achava aquilo muito engraçado.
Hoje sou convicta a dizer: Não vejo, absolutamente, graça nenhuma naquilo!