Devassa na Budega
Pode não ser verdade que nós cearenses temos o comércio no sangue, mas na minha família todo mundo sempre gostou da intermediação. Há várias gerações muitos se dedicam à atividade comercial.
Meu querido pai, desde bem jovem, trabalha por trás do balcão, vendendo açúcar, sabão, querosene, rapadura e outras inúmeras mercadorias. O pequeno comércio – Casa São Raimundo - foi inaugurado em abril de 1946 por meu avô paterno Raimundo Cavalcante, conhecido por Raimundo Silvino.
Se hoje os pequenos empresários sofrem com a complexidade das regras tributárias, quando meu avó se iniciou no comércio era ainda mais difícil compreender as normas do fisco.
Essa dificuldade transformou as visitas dos fiscais da fazenda em momentos extremamente desagradáveis para os pequenos comerciantes. Tudo se agravava porque nunca possuíram condições de contratar os serviços especializados de um contador, o antigo guarda-livros.
No final da década de 50, meu avô recebeu em sua bodega uma dessas antipáticas equipes de fiscalização. Ao ver os livros obrigatórios, os fiscais estranharam no registro de saída sempre um mesmo valor todos os dias durante o ano inteiro.
O arrogante chefe da fiscalização, desejando amedrontar o pequeno comerciante, e, possivelmente, propor um imoral acerto, comunicou que tal fato geraria uma grande multa ao estabelecimento.
Mas meu avô, destemido e inteligente, com seu jeito matuto e extrovertido, desarmou logo o fiscal com sua justificativa:
- Ôxi seu Dotô, quando junto cem cruzeiro na gaveta, já fico sastifeito com o apurado, fecho a budega e vou pra casa.