Um pouco de humor e muito amor
Oi, Li. É, o espírito natalino já baixou nesse lar. Dom poético, inteligência, profissionalismo, bom caráter. Ainda conclui dizendo que ama a minha família e a mim...Você havia começado tão bem, mas quando se emocionou e começou a dizer que me admirava etc e tal, percebi que estava com remorsos. Comecei a rebuscar no passado o que teria causado tamanho trauma na minha irmã, no passado e nas minhas anotações particulares. Encontrei o ano de 1978, lá estava. Lembrei-me do sangue escorrendo em minha cabeça, eu tonto e sem saber exatamente o que teria feito de tão grave para receber aquela agressão tão vil. Eu, que naquele instante apenas brincava inocentemente no quintal de nossa casa, depois de sair do meu momento de reflexão acerca das coisas da vida, o que fazia diariamente antes de ir brincar. Como bem sabe, tinha o hábito de fazer profundas reflexões e orar antes de sair para brincar. Lembra-se? Quando percebi o ferimento, o sangue que abundava e ensopava minha roupa, pouco antes de desmaiar...Sorri tristemente e perguntei: Por que me persegues. Você, sorrindo, ainda tinha em sua mãos mais 4 pedras, cada uma com cerca de duzentos gramas. Antes de desmaiar, ainda ajudei uma velhinha atravessar o valão que ficava entre a nossa casa e a rua, depois caí no valão. Até hoje não sei o que poderia ter provocado o "pequeno incidente", e o único fato que me ocorreu e que pode ter aborrecido a minha querida e perdoada irmã, acredito que talvez tenha sido durante o café da manhã, três anos antes, em 1975. Fazíamos o nosso dejejum, as imagens ainda estão bem vivas na minha memória, claro, depois de consultar os meus apontamentos no capítulo Roseli, no meu diário. Você, que sempre foi a mais fominha, já havia comido três pedaços de pão, comparáveis hoje a quatro pãezinhos franceses. Eu, que esperava tranquilamente a todos se servirem, para só depois tomar o meu café puro, pois o leite logo acabava- famíla grande, sabe como é!- já sorvia goles daquele delicioso café, quando fui interrompido por você que me pedia o único pedaço de pão que me sobrara. Expliquei-lhe serena e pausadamente que dividiria o meu único pão ao meio com você, que me desse apenas o tempo de ir à cozinha pegar a faca para parti-lo. Surpreendido, quando retornei da cozinha com a faca, percebi que o pão não mais estava sobre a mesa, percebi também que havia pedaços e farelos em sua boca. Questionei-a, é evidente, pois desejava o melhor futuro para a minha querida irmã. Por que fez isso?Você imediatamente começou a chorar e culpou a nossa querida irmã Rosane, dizendo que a Nane era assim mesmo, que só pensava nela etc. Insisti, por que fez isso? Você começou a gritar por nossa mãe,que veio imediatamente e ficou em silêncio, e você dizendo que eu comera o pão e que agora para dar uma de bonzinho estava te culpando por algo que não havia feito. Mãe sempre querendo o nosso melhor me repreendeu, mandou comprar mais dois pães para você, me bateu e colocou de castigo. Ainda se lembra de tudo isso? Não?! Tudo bem! Saiba, pois, que a perdoei no exato instante em que caía naquele negro valão, apesar da dificuldade em sair dele, e apesar de você tentar impedir que as pessoas me resgatassem, tentando enganá-las, dizendo que ali naquele valão não havia um bom menino, e sim um porquinho. Você sorria para as pessoas e fingia que estava brincando com o seu bichinho de estimação, e como era difícil identificar o que estava afundando no valão, que era largo e profundo, quase ninguém conseguia perceber que era uma adorável criança. As que percebiam, você ameaçava com as pedras que ainda estavam nas suas mãos, e elas acabavam tendo que fugir. Mas como Deus é bom, até deu jeito em você, eu, com muito esforço, quando já não acreditava mais em salvação, agarrei-me à margem, com você pisoteando os meus frágeis dedos, e consegui subir... Aqui estou, para dizer que estaremos juntos no Natal, com nossos irmãos e pais.E, se hoje temos muitas tristezas para compartilhar, é porque já tivemos uma vida de alegrias, todos juntos. E é assim que permanecerá, mesmo distantes geograficamente, estaremos unidos até que cada um de nós se vá, permanecendo nossos descendentes, que darão continuidade a história da nossa família, do nosso nome. Não sei exatamente onde isso começou, tenho como referência os nossos pais, mas sei que jamais terminará, pois somos frutos de árvores sadias. Nem a morte física conseguirá destruir o amor que nutrimos uns pelos outros, sem sermos perfeitos, nem pretendermos, nos amamos. Haverá um dia em que não conseguiremos conjugar alguns verbos no presente e no futuro, quando nos referirmos uns aos outros, pois a morte nos levará a todos, como já o fez com nosso amado irmão Carlinhos. Mas tenho a certeza de que o verbo AMAR será sempre conjugado no passado, presente e futuro. E esse é o legado que deixaremos para os nossos filhos, netos...Não é o único legado, mas é o principal.