Êita sujeito bão!
Já é noite em Vila-Sol, cidade pequena do interior do Brasil. José Pereira, da janela de sua casa, pitando seu cigarrinho de palha, avista ao longe as luzes de sua pequena cidade, e olhando para o céu, enquanto Matilde, sua esposa, prepara a cama para se deitarem.
__ Muié! Exclamou José Pereira.
__ Sim, Zé! O qui é?
__ Óia só como o céu tá bunito, todo istrelado. Parecendo inté cum pano pintado, daquele vistido bordado da Dona Crotilde, a muié du Prefeitu.
__ Fecha a janela e vem drumi Zé, qui aminhã cedo ocê tá de pé, tem qui logo acordá mode prá trabaiá. Ocê inté que pudia tê istudado, tê sido letrado, pudia tê sido Prefeitu. Falando em Prefeitu, ômi bão tá ali. Rico... dono di quase toda a cidade... fala bunitu... ajuda a família dele... Tá tudo qui é parente dele trabaiando lá na Prefeitura. Isso é que é ômi bão!
__ É purisso que nóis vota nele, em todas as eleição. Eu bem que queria sê primo dele, sê sangue do mesmo sangue desse coração. E aí eu tava trabaiando lá na Prefeitura, quem sabe inté motorista daqueles caminhão, ou intão num fazendo nada, igualzinho aquelas parentada, e ganhando um dinheirão.
__ Cê besta, ômi, que ocê nem sabe seu nomi iscrevê. Nóis temo é qui agradecê, pros resto de nossas vida, o emprego de coveiro, lá no cimintero, que ele deu prá ocê. E óia, que ocê nem trabaia, pruquê aqui ainda num morreu ninguém, desde que ocê começô na batalha lá pelas banda das terra do além. Cê num lembra não? Quando nóis trabaiava como um cão, prantando prá modi cumê e não dava, do que nóis colhia ainda fartava, e nada sobrava prá modi vendê. As criança chorava di fome, e nóis tapiava com água e farinha. Dizia prá eles, “para de chorá, vê se come, e acaba cum essa ladainha!”.
__Craro qui mi lembro, muié! Foi quandu Seu Prefeitu veio cá em nossas terra, pidiu licença prá modi furá, prá fazê um poço de água bem grande, que desse prá nóis e os outro tomá. Coitado do ômi, encontrô mais foi lama, daquelas bem suja, bem preta, que quando furô o jato foi alto, qui intê sujou o lençol da nossa cama, estragou também toda a nossa prantação, e o Prefeitu ficou todo invergonhado e num gesto de muito afeição, comprô toda a nossa terra prá se discurpá, e mostrou muito apreço que inté pagou um bom preço. Eita, sujeito bão! E inda deixô nóis aqui morá, pruquê nóis não tinha prá onde mudá, o que ele pagô foi bão, mas não ía dá, prá um outro lote comprá, foi aí que o Prefeitu, que é só coração, me levou prá trabaiá lá no cimintero, lugá muito calmo, não tem o qui fazê, e também não tem cum quem falá, pruquê os môrto num fala e nem ouve, que pena que eu não tenho prá quem contá essas coisa boa que o Prefeitu fez. Agora, que eu tenho um imprego, nóis vai comprá aquele lampião de gás, bunito, que eu vi lá na venda do Seu Manel, essa lamparina véia vai si apusentá. Vamu comprá sandalhas nova prás criança e prá nóis podê andá, até a cidade no dia das eleição, prá modi votá e fazê nossa boa ação. Pruquê nóis tudo vai votá nesse ômi, pessoa decente e de religião.
__ Vamu drumi, Zé?
__ Vamu drumi, muié!
__ Fecha as janela modi ninguém pulá.
__ Prá que muié, só se for um gambá! Aqui em nossa cidade não tem ladrão não, e si aparecê o Seu Prefeitu manda prendê, e bota todos ele na Prisão.
ÊITA SUJEITO BÃO!