FALANDO BONITO
Uma môça do interior foi para a capital trabalhar numa casa de família.Acostumada com o seu jeito caipira,ficou encantada com as maneiras requintadas do casal de patrões.Êle,o dono da casa,um advogado muito famoso.A espôsa,professôra universitária.As conversas entre ambos,em nível elevadíssimo,deixavam a caipirinha em êxtase e às escondidas ela ficava ouvindo e anotando num caderninho as palavras que achava bonitas e interessantes,embora não tivesse a menor idéia do que elas representavam.
Passaram-se tres meses e a môça retornou ao seu lugarejo para uma visita à família.No ônibus releu algumas vezes o seu caderninho de anotações com intuito de mostrar àquela caipirada de sua terra,quem era ela atualmente.
Bem recebida pelos pais e irmãos,saiu dar umas voltas pronta para demonstrar o seu novo e rico vocabulário.Passando pela venda onde aglomera-se um bom número de desocupados aos quais ela finge não conhecer,um vira latas lhe avança.E então,em alto e bom tom ela lança as suas pérolas:
"Sai!...cãozinho posterior...Não me seja infalivelmente!...A priori,postergado,ora direis ouvir estrelas,seu metáfora...E vai logo,seu massa falida com essa cara de preâmbulo"....
Dito isso,segue em frente em passos altivos de quem sente-se a propria professora universitária.
Os desocupados entreolham-se de queixos caídos.Um dêles comenta:
_Viu só?...A mudança da nossa amiga?
Um velhinho enrolando o seu cigarro de palha retruca lá do cantinho:
_Ôtro níver meu amigo,isso é a tar da curtura....
II _ Agostinho,aquêle....
Agostinho é meu grande amigo.Apesar de morarmos numa cidade pequena,nossos encontros ocorrem sem muita frequência.Porém,quando acontecem,são gratificantes e acabamos sempre retornando aos nosso tempo de funcionários de um antigo escritório de contabilidade aqui em nossa cidade.
Anos 70,éramos 11 funcionários distribuídos em mesas numa ampla sala.Agostinho,com seus 16 anos,estava passando daquela fase de "ofice boy" à escriturário.Dono de uma letra muito bonita e paparicadinho do chefe não lhe foi difícil esta transição.
Dono de um senso de humor qua variava do engraçado ao irritante,invariavelmente tinha de refugiar-se no banheiro para escapar da chuva de grampeadores e outros objetos um pouco mais leves que lhe eram atirados com intuito de faze-lo apenas "calar a boca".
Entre nossos colegas nesta sala ampla,numa das mesas sentava-se Elza.Beirando os 30 anos,era uma pessoa séria,fechada,não participava das brincadeiras e lançava sempre um olhar de censura às molecagens que aconteciam à sua volta.Dona de uma beleza quase selvagem,tinha os traços de uma índia.Morena,lábios grossos e volumosos,sempre muito besuntados de batons em cores berrantes,cabelos longos e muito pretos.Ao seu lado,ficava sempre uma pesada régua de madeira que ao final do expediente ela colocava em sua bolsa e saía,sempre sózinha,com aquêle entulho aparecendo pela abertura da bolsa.
Agostinho não perdia a menor oportunidade de tirar uma casquinha de Elza.Dentre tantas,uma talvez tenha sido a mais marcante.
O engraçadinho passa pela mesa de Elza em direção ao armário de documentos.Elza bate frenética e nervosamente nos tipos da sua "Reminghton" (que traz um adesivo de uma santinha,para identificar qye aquela "É, E SEMPRE SERÁ A SUA MÁQUINA,OUVIRAM BEM?...E QUE NINGUÉM SE ATREVA PENSAR EM RETIRÁ-LA DA MINHA MESA....FUI CLARA?"....Claríssima,é evidente.
Na passagem o nosso amigo desliza suavemente os dedos na postas dos cabelos da môça,cantarolando uma velha e conhecida canção,adaptada ao momento em que êle agora vive:
_"Elza teus cabelos nos ombros caídos,negros como a noite que não tem luar..."
Recebe um chega pra lá da morena,provoca uns risinhos no salão,desculpa-se ironicamente e vai até o armário.Elza continua datilografando,agora mais nervosamente,a pesada régua lhe observa ao lado.
Agostinho retorna e agora complementa a música que havia começado:
_"Elza da pele morena,tua boca pequena...(uma pausa e a régua está agora nas mãos de Elza,pronta para o ataque).E o complemento da frase vem da seguinte forma e cheia de gesticulações:
_"Que eu não quero beijar!...Jamais beijaria,sou um jóvem respeitador,não faria isso,Elza!...Nossa quase doce Elza!...
Pelas mesas ecoam gargalhadas.Elza,comtrola-se para não soltar a gargalhada que certamente daria.Arruma a gola da blusa e diz entredentes:
_"Que ódio!"
Agostinho,o engraçadinho,ainda o é,apesar de aparentar aquela cara de "homem das comicações" cargo que hoje exerce.sisudo e compenetrado chefe de família.A mim, tu não enganas,meu quase irmão e companheiro.