Relógio velho
Eu tinha um velho e bom relógio de pulseira, daquelas metálicas, que esticavam a ponto de poder colocar no pescoço. Era mesmo um bom relógio e o leitor há de concordar comigo.
Não tirava do braço a não ser para proteção contra a água posto que temesse até umidade. Pois bem, numa noite de lua cheia fui com alguns mais velhos que eu para uma pescaria, coisa que eu não fazia bem de jeito algum, só tentava acompanhar. Pescar traíra é com vara curta, batendo na água e a idiota engole o anzol, não tem erro, mas, nem isso eu sabia fazer. Mas não queria ficar atrás e dei meu jeito. De mansinho peguei uma traíra do covo e fisguei-a no anzol. De noite e apesar da lua, todo gato é pardo, joguei de mansinho a bichinha na água e desta forma contaram pelo menos dez traíras que só eu pesquei. Mas todo mal feito é descoberto e enraivecidos queriam me jogar na lagoa. Resignado só pedi para tirar do braço meu relógio que deixei encaixado num arbusto e sofri então o merecido castigo. Tremendo de frio e com vergonha fui procurar o meu “Lanco” e quem dera encontrar! Nem com São Longuinho. Tristeza à parte fomos embora e o tempo passou.
Já adulto aconteceu de estar por aquelas bandas e me lembrei do ocorrido há tantos anos. Sentei-me à beira da lagoa, ao pé de uma frondosa árvore e fiquei em devaneios e lembranças. Deitei-me na relva e então...
Surpresa! Vi no tronco da árvore meu relógio, meio que fazendo parte da estrutura do vegetal, com a pulseira rodeando o caule, quase envolvido pela casca. Aproximei-me e pasmo notei que ainda funcionava e marcava hora com precisão. Mas um relógio à corda não poderia funcionar mais que um dia e muitos anos se passaram!
Fiquei atônito olhando o relógio e tentando entender. Foi então que uma brisa soprou e o mistério se desfez. Um ramo fino da árvore, movido pelo vento, passava levemente pela cabecinha dando corda e com isso o manteve funcionando todos estes anos...