Para vencer

O melhor jogador de xadrez é aquele que jamais resmunga nem suspira. O mundo está cheio de gênios em xadrez. Eu mesmo já me apliquei mil xeques com um mate para as brancas no último jogo. Aprendi muito comigo mesmo. Um egocêntrico raciocinaria assim o tempo inteiro numa extenuante, porém singular partida, e dormiria com remorso. É certo.

O egolátra é o melhor espetáculo em xadrez que existe na face da terra. Perdendo apenas para o tipo dissecador implacável que observa tanto o lance alheio, mas tanto, que acaba jogando uma abertura irregular, chinfrim, sem a menor chance.

Vencer o Deep Blue? Nem pensar. Hoje todo mundo ganha do computador. Os meus amigos todos ganham do computador. Na Prefeitura, nos ginásios e nas ruas, todos ganham do computador. Ninguém aparece confessando: foram cinco partidas consecutivas contra o micro quando levei um tremendo cheque-mate do peão apoiado pelo meu esquecimento.

Todos já venceram com larguíssima vantagem o computador. É como se todos pudessem zombar do Campeão Mundial em carne osso derrotado pela máquina. Hoje todo mundo vence sem a sensação de que além dos fios existe alguém disposto a impedir o melhor lance. Pura bobagem.

Tem o jogador que utiliza os dedos para medir o cálculo mental e este finalmente merecerá dessa primeira "crônica futebolística sobre xadrez" um merecido aparte além de ótimos lances. Com destaque exclusivo para o psicoanalista Bispo sobre o enxadrista que “ri da derrota” logo que deita o rei. Sabe o quanto dando gargalhadas faz pose de vencedor.

Nobres e excelentes criaturas do teatro do xadrez. Esse último capítulo merecerá sempre atenção da nossa dramaturgia esportiva. Potencialmente admiradores desse idioma oculto entre dois seres fechados, cruzando tramas, saibam já: Quando um perdedor ri o que ri só pode ser o vencedor aos olhos de terceiros. É uma boa estratégia para vencer sempre em xadrez. Pode ser ingênuo: Rindo jamais será vencido. Portanto de nada adianta vencer alguém rindo.

Chorando ninguém joga. Essa modalidade nunca olímpica, jamais escondeu o suor pouco, porém no que diz respeito a força da ação emotiva intelectual, é a que mais faz chorar, para tanto existem os disfarces inumeráveis. Encurtar o tempo de reflexão alheio com piadas e até celulares é o que mais obedece ao desejo incontrolável da vitória pelo lucro imediato. (Jogamos por batatas fritas, mariolas). Todas estas maluquices são observações colhidas dos jogos livres, verdadeiras epopéias, grandes transportes da alma. Uma dica: A melhor desculpa para perder uma partida é seguida de agradecimento.

- Muito obrigado. Treinei, foi um ótimo treino para mim...

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 09/11/2009
Reeditado em 09/09/2011
Código do texto: T1913554
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