O sentido da coisa
Morava na Casa dos Livros um senhor musical. Gostava de violão e disputava alegria com os pássaros no calor da tarde. Naquela rua, Albergue, 23 ficava a Casa dos Livros. Nesse mesmo caminho haviam também os cabarés. Havia quase sempre os embriagados solitários e selvagens, descendo tropegos o novo dia repetido pela ladeira preguiçosa. Quase morrem na dança dos passos feitas de asas completamente etílicas. Certo que na Casa dos Livros o senhor Pederneiras tangia bem o instrumento de cordas. Certo que o som produzido enredava todos num principesco êxtase hipnótico.
De fato a previsão do tempo ameaçava temporal. O conhecido Corneta havia entornado um verdadeiro porre de caninha justo com tempo ameaçando chuvarada sub-atlântica, de congelar pingüim. O temporal começa do oásis, da luz puríssima, logo subverte o subtrópico que concede breves instantes de beleza entre palmeiras. Então tudo acontece.
Corneta fora encontrado quase morto. Completamente alcoolizado quando saboreou os acordes do Senhor Pederneiras, ele, velho decadente, cantor de tango, veio abaixo na toca improvisada de acácia. Desabou em frente a Casa dos Livros, no baldio em plena letargia. O temporal rugiu com pancadas no gelo. Choveu sem parar, firme. Veio a bonanza quase levando o Corneta que acabou hospitalizado.
Enquanto carregava o indigente congelado, um homenzinho comentou, feliz, num trânsito alegre de vácuo.
- O coitado ia mesmo morrer de "hipocondria".
Queria dizer: “hipotermia”. Todos concordaram.