Passarinho na gaiola
Passarinho na gaiola
Bela gaiola enfeitava o alpendre. Amarelinho. Canarinho do Reino. Comida fresca, água, luz, telefone, cama e roupa lavada, numa boa.
No reino da passarada canarinho causava inveja; pequeno gesto do indicador e seu dono ouvia trinados e gorgeios.
De galho em galho ia aproximando-se curiosamente da gaiola dourada, um cinzento tico-tico. Não que a gaiola o convencesse, ficava seduzido com a mordomia do canarinho do Reino.
___ Que comidinha diferente a sua. – observava o tico-tico.
___ Ração balanceada. – contava o canário, anunciando seu privilégio. Tudo para que eu goze de boa saúde, não perca penas e cante bem. Usufruo de todas as regalias do sistema.
___ Todas! Então saia e vamos dar umas voltas. – desafiava o tico-tico.
___ Bem, modo de falar. Adaptei-me ao conforto, e tudo isso é status difícil de abandonar.
___ Sei que tudo isso é bom, mas deixo para segundo plano; incompatível com o ato de voar. Experimente a sensação e a sedução de bater asas, depois decidirá entre emoção e razão.
O canarinho do Reino sentiu a penugem de sua cabeça ficar arrepiada de tentação; temor descendo até as patas, enquanto as asas praticavam o movimento de liberdade. De pouco adiantaria argumentos do mais brilhante discurso de trinados; não convenceria ninguém.
De repente apanhou seu estojo de primeiros socorros, abriu a portinhola e bateu asas. O tico-tico observava com calma, ficando por ali mesmo, sem acompanhar o bota fora do canarinho. Pegou seu pandeiro, respirou fundo e bateu o ‘tico-tico no fubá’; tinha certeza que o canarinho não voaria muito longe; percebeu isso quando ele pegou o estojo de primeiros socorros.
Tinha plena convicção que o canarinho não conseguiria voar muito alto; voar é correr risco. – pensava o tico-tico.
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( Miro Camargo )