VAI UMA BRANQUINHA AÍ ?

VAI UMA BRANQUINHA AÍ ?

Fui dar uma palestra sobre violência infantil e higiene em uma favela aqui pertinho de casa.

Chegaram lá os tipos mais bizarros. E todos me conheciam pelo nome.

Era o mendigo com seu tradicional saco “cabe tudo” os caras do bar do Malaquias, aqueles que de vez em quando dormem bêbados em meu portão, sim porque o bar do Malaquias é ao lado de minha casa, então, quando eu sei onde moram, saio capengando e levo os amigos para casa.

Isso criou uma amizade intima e eles me chamam de gente fina. Não acho nada ruim, adoro amigos diferentes dos quais a sociedade adota.

Cheguei na reunião feliz da vida, faço isso porque gosto, não trabalho para nenhum órgão, quer dizer só para um, meu órgão, meu coração.

As mulheres me olham estranho, desconfiadas, mesmo assim arrumam a pequena sala de madeira muito bonitinha. Com uma toalha na mesa...nao era bem uma toalha, pareceu-me um lençol, mais muito bonito e florido. Um vaso com rosas recicláveis feitas de garrafa pet.

Do outro lado da mesa. Muitos bolos, refrigerante Picolino, umas tortas de atum...nao na verdade dona Severina depois que provei e adoreeeeeei falou que era de sardinha bem fresquinha que o peixeiro também meu amigo que passa na rua em frente de casa, deu de graça já que ficou sabendo que era para a minha reunião. Ele ficou de passar mais tarde e trazer também umas batidas de amendoim que fazia questão que eu provasse.

Dona Rosa uma senhora que um tempo trabalhou em minha casa também estava presente e num só gole tomava as branquinhas que seu Bitonho freqüentador assíduo do bar do Malaquias, oferecia a ela naqueles copinhos tão bonitinhos do fundo grosso, mas não antes de oferecer um choro ao santo é claro. Ela pediu ao Bitonho para encher a estranha tacinha...não era tacinha, era aquele copinho bonitinho do fundo grosso.

Dona Rosa veio com quase cento e cinqüenta quilos veio em minha direção...não sei, tive a impressão que a branquinha marvada já fazia algum efeito em dona Rosa pois ela veio ao meu encontro toda alegre com seu sorriso assim meio banguela e um baton bem vermelho, ela veio e quase caiu. Ela apoiou o braço em meu ombro e a cachaça molhou um pouco mas bem pouco mesmo em minha blusa bonitinha de seda. Nossa! Olhando bem, minha blusa quase que combina com a toalha, digo lençol que delicadamente cobria a mesa. Quando dona Rosa se apoiou em meu ombro e derrubou aquele aperitivo, eu quase cai, enverguei um tanto que deu para perceber que não se tratava de uma mesa e sim de dois cavaletes que seguravam uma tábua que apoiava todas aquelas iguarias mas tudo bem diante do que vinha.

Dona Rosa empolgou-se. Batia no peito e falava para todos que agora tomavam o aperitivo, que eu era maneira, gente fina pra cacete, que quando trabalhou lá em casa, eu dava de tudo pra ela e não tinha miséria não. Disse também que meu coração era maior que aquela favela toda, que eu sempre ajudo todo mundo e brigo nas prefeituras, regionais e tudo pra terem luz, asfalto esgoto e que era para todos brindarem aquela mulher guerreira.

Dona Rosa falou a Bitonho que podia caprichar em minha dose pois ela sabia que eu gostava. Que quando ela trabalhava em casa eu todo dia tomava vinho e nos finais de semana eu adorava caipirinha de vodka com abacaxi.

O amigo do saco cabe-tudo gritou levantando o copinho bonitinho de fundo grosso.

Eita que essa é das nossa.

Não, não eu jamais poderia fazer a desfeita de não aceitar o aperitivo no copinho.

E olhem que o peixeiro chegou com as garrafas pet cheias de batida de amendoim.

Ele encheu um copo desses descartáveis. E colocou em minha outra mão e todos foram servidos de batida de amendoim. O delicado senhor peixeiro trouxe mais uma surpresa. Ele disse que fritou as melhores sardinhas e trouxe para o tira gosto. Hummm cheirinho bom de sardinha fritinha! Se bem que não sabia decifrar se o cheiro era da sardinha ou das garrafas de pet, sim porque deu para perceber uns pedaços de sardinha colados nas garrafas, mais o peixeiro muito asseado sacou de um paninho que trazia no ombro e hora secava o suor que escorria do rosto e pescoço do trabalhador, hora limpava as garrafas. Deve dar um trabalhão fazer batida e fritar sardinha coitado!

Sabe quem chegou lá também? O seu Malaquias, sim o dono do bar ao lado da minha casa lembra?

Quando ele ficou sabendo que eu dava uma reunião na comunidade, foi tratando logo de fechar o boteco e até carregou os fregueses dele. Ele disse e depois fiquei sabendo- vamos pessoal, aquela mulher é fera, quando ela fala inté as autoridade baixa a cabeça... é? Sabe que eu não sabia ser tão respeitada assim? Malaquias não poderia deixar de fazer uma presença e trouxe uma caixa de cerveja. Elas estavam quentes mas quem se importava depois das branquinhas, das batidas de amendoim e todos aqueles tira-gosto?

Quando terminou todo festejo. Eu até tentei dar continuidade a reunião. Mas os participantes estavam quase dormindo assistindo ao jogo de futebol e aquela televisão não colaborava. Já haviam colocado um pacote de palha de aço na antena e aquele chiado dos infernos não cessava. O Bitonho deu até uns socos nela, mas nada de melhorar. Rosa então teve a idéia de remarcarmos a reunião para o próximo sábado. A pancada que o Bitonho deu na televisão fez ela cair e puxou uns fios que deu curto circuito no barraco e quase tudo pegou fogo. O dono da televisão que trouxe ela com carinho para as pessoas assistirem ao futebol até que ficou nervoso, mas o Malaquias acostumado a apaziguar situações assim, trouxe mais uma rodada de batida e tudo foi resolvido. Acenderam umas velas e na santa paz começaram a jogar baralho. Aproveitei esse momento para ligar para minha filha vir me buscar de carro. O senhor peixeiro delicadamente falou que ele fazia questão de levar-me. Sua carroça estava estacionada bem na frente do beco.

Desliguei o celular e não...não poderia de maneira alguma recusar tamanho cavalheirismo. Despedi-me da comunidade que aplaudiram e até hoje eu não sei por que e fui ajudada pelo cavalheiro peixeiro a subir na carroça. Estava um pouco difícil por que a mão dele estava so um pouquinho engordurada e em minha blusa de seda escorregava. Começou uma garoa que logo virou tempestade. Uns moleques magricelas pegaram carona pendurados na carroça. O cavalo esse dia não estava para gracinhas e mau humorado deu um coice e quase derrubou aquele garotinho tão lindo que chupava sorvete. Ele muito esperto para não cair, segurou por trás da minha blusinha de seda que estava bem molhadinha com a tempestade caindo e tbung, cai no deposito de peixes. Tinha todos os tipos de peixes cobertos com barras de gelo. Fiquei geladinha e os garotos magricelas riam muito.

O peixeiro até que tentava me puxar. Mais aquele sorvete de massa sabor indefinido, tinha caído em meu pescoço e braço e os garotinhos magricelas riam.

Aos poucos fui levantando e eu pensei estar colocando meu sapato que saiu do meu pé esquerdo, mas quando senti doer era na boca enorme de um peixe indefinido que meu pesinho entrava.

Chegamos em casa, afinal era tão pertinho que eu deveria ter ido a pé.

Agradeci o cavalheirismo e despedi-me dos magricelas.

Quando virei para tocar a campainha. Senti algo bater fortemente em minha cabeça.

Um daqueles filhos da puta magricela gritou! Aí tia, seu sapato achei aqui.

Agradeci e eles foram embora. Minha filha veio abrir o portão e quase desmaiou.

- Mãe! Estava esperando você ligar como o combinado para te buscar...mãe humm! credo que fedor...Foi atropelada por um caminhão de lixo? Mãeee você está bem???

Eu que já estava entrando em estado de choque, bêbada, podre comecei a gritar e chorar, depois ria. Entrei em uma banheira e fiquei lá umas duas horas.

Cai na cama e dormi muito. Acordei com minha filha batendo na porta e falando que o pessoal da comunidade ficaram sabendo que eu estava doentinha e me trouxeram uma buxada de bode. Dona Rosa disse que é tiro e queda. Levantava até defunto. Bati a porta do quarto e nem sei quanto tempo passou. Só consigo lembrar que a reunião será no próximo sábado. Alguém tem uma passagem para ceder-me...Digamos para, o Irã?

ELISABETHDOVITAL
Enviado por ELISABETHDOVITAL em 21/09/2009
Reeditado em 24/09/2009
Código do texto: T1823438
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