"Pagando mico"
Certa vez, em plena igreja, local de silêncio, reflexão, oração, aconteceu algo que não sairá da memória de três pessoas de uma mesma família.
Foi numa missa de corpo presente, da avó/ bisavó falecida (que partiu desta prá melhor, como dizem no ditado popular).
Convidaram o padre mais idoso da cidadezinha, para celebrar o ato.
Quando entraram no templo, já havia muita gente.
Gostavam de assentar no fundo da igreja, para ficarem mais próximos à saída, quando em missas comuns...coisas de gente nova (só?)... porém, por se tratar da última despedida à querida e saudosa avó/bisa, sentaram-se num dos bancos do meio, onde já estavam alguns parentes "mais chegados".
Pessoas tristes, choravam e rezavam. O caixão lá na frente.
O padre entrou, lentamente, acompanhado de uma beata.
Iniciou-se a cerimônia; o padre falou sobre a razão daquele ato, o nome da falecida, apresentou os sentimentos aos familiares pela perda de pessoa tão bondosa e querida, na cidade.
Quando abriu a bíblia, na página já marcada, iniciaram-se as cenas que desencadearam tudo: diante das minúsculas letras do Livro Sagrado, o padre, sem óculos, tentou, mas não conseguiu decifrá-las. Começou, então, a balbuciar apenas sílabas, acompanhadas de longos períodos de tempo em silêncio.
Todos esperaram...e a cena se repetiu...o esforço continuou...olhos apertados, novas sílabas...o tempo passando; a beata percebeu e se aproximou para auxiliar o pároco. Para a surpresa de alguns, ele não aceitou ajuda, fez um sinal para que voltasse para o local onde estava, puxando a Bíblia para mais perto, ainda, dos seus olhos...e assim as cenas se repetiram, não sabemos quantas vezes...
Neste momento, os três jovens se olharam, já no limite de contensão...e o encontro destes olhares resultou num simultâneo e incontrolável acesso, triplo, de riso.
Os três não se contiveram...as cenas os lembraram uma comédia e assim, choravam, de tanto rir...
Parecia que ninguém notara, ninguém vira o que viram...mais engraçado, ainda!
Ao perceberem, onde e porque estavam ali, tentaram controlar o riso frouxo...mas era difícil...
Tamparam boca, olhos, ouvidos...escondendo o rosto ou se curvaram sobre suas próprias pernas. Depois de uma fração de segundos, um olhou para o outro, para ver se havia controlado aquele "descontrole" e nada...o jeito era abaixar a cabeça e enviar mensagens de "não faça isto, aqui não é a hora e o lugar" para o cérebro, na tentiva de encerrar com o "mico"!
Até que... os minutos que pareciam eternos, foram passando e tudo se acalmando. Aquele que havia parado o riso, conteve o outro, até que tudo voltou ao normal e ao levantarem os seus olhos em direção ao altar, perceberam que o padre já havia cedido o Livro Sagrado à beata e ouvira dela, baixinho, os trechos que pronunciara, em voz alta.
Assim o ato foi até o fim. Assim pediram perdão ao Senhor e à avó/bisa, pelo "mico" que pagaram... e, finalmente, tudo ficou em paz.