O primeiro marido a apelar pra Lei Mário da Penha

Em homenagem ao amigo Wilson que, num rasgo de solidariedade aos de sua espécie e gênero, apressou-se em divulgar a decretação da Lei Mário da Penha, eu e a Tânia Alvariz vamos contar (mais) um causo...

*

Manezinho era um cara baixinho, franzino, um tanto tímido e, digamos logo tudo, faltoso de valentia.

Teve a infelicidade de se apaixonar pela Tonica, mulher valente e grande e forte feito uma ursa com cria.

É sabido e notório que tipos assim tão opostos costumam atrair-se feito limalha de ferro e ímã, de modo que acabaram por se casar. E, nem bem voltaram de uma tumultuada lua de mel, surgiram os primeiros indícios de que esse matrimônio daria, literalmente, muita dor de cabeça -- assim como de todas as demais partes anatômicas -- ao pobre do Manezinho.

-- Benhê, eu quero comer jaca na sobremesa hoje! -- ordenava a Tonica, com jeito falsamente dengoso.

-- Mas, minha princesa, estamos na entressafra... Onde vou encontrar uma jaca hoje?

-- Nem num quero saber, isso é pobrema seu, meu docinho!

-- Mas, minh *PLAF*... uuui... ursinh *POFT*... aaaiiii... como é que *SOC*... úúúúúúf... não poss *BIFA*... aaaaaaiaiaiaiai...

Bem, depois de muitos meses e hematomas e ossos rachados e vísceras rompidas, o desacorçoado Manezinho resolveu apelar pra Lei Mário da Penha, calhando de ser o primeiro macho, quer dizer, o primeiro reclamante a lançar mão desse instrumento legal.

Chegando à delegacia, manquilotando com o auxílio de um par de muletas, todo enfaixado, engessado, vermelho de tanto álcool iodado sobre caprichosas suturas e coberto de vistosos e volumosos calombos roxo-amarelados-esverdeados, foi prontamente acolhido pelos sempre solidários colegas de gênero e espécie, entre doloridos tapinhas nas costas, muitos gemidos soluçados, almofadas providenciadas pra acolchoar a cadeira e uns cafezinhos tomados de canudinho.

Em seguida, mandaram chamar a Tonica à delegacia pra dar explicações e, caso comprovada sua culpa hedionda, ser enquadrada na bendita lei.

Ela, sem se abalar nem um bocadinho, assim confessou a autoria do linchamento:

-- Seu Dotô Delegado, eu dei uns tapinha nesse sujeitinho manhoso, sim. E dei porque ele mereceu, o sem vergonha!... Porrr que? Vai ficar do lado dele, vai? Quer levar umas bifa no pé d'orêia também?

-- Calma, Dona Tonica, olha o desacato a autoridade...

-- Que otoridade? Por acauso tem alguma otoridade aqui, além de eu? Num vi nenhuma que eu não possa fazer picadinho ainda...

E o sr. delegado, tremendo e com a voz mais doce do mundo, falou pra ela:

-- Mas, Dona Tonica, olha como o pobre diabo ficou, todo estropiado! A senhora não tem piedade?

-- Craro que não! Acho que tu tá querendo ficar ingualzinho a ele... -- e dando uma fungada de desprezo, enquanto olhava de soslaio pro que sobrou do Manezinho, continuou -- E por que havera de ter? Se ele não é macho bastante pra prover todas as minha necessidade, nem tampouco pra se defender dos meu rompante de sexo frágil, então que se case com outra mais conformada e submissa... como a senhora sua avozinha.

Por Tânia Alavariz

e

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 13/09/2009
Reeditado em 14/09/2009
Código do texto: T1808663
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