As aventuras de Tonico - Dom Quixote Mirim
Justiça seja feita ao Tonico, cabrinha que deu trabalho para mãe, parentes e professores: tinha horror a injustiças, sempre estava pronto a defender as idéias justas e liberais. Teria dado um bom político, se acreditasse em qualquer partido político, teria dado um bom religioso, se acreditasse em qualquer Religião. Mas, assim mesmo, era capaz de meter-se em sérios apuros para defender os mais fracos, principalmente se os mais fracos vestissem saias.
Sempre agarrado a livros de histórias de aventuras e romanescas, é claro que, embora possuísse espírito quixotesco, o seu herói não era o bizarro Dom Quixote de La Mancha, sempre acompanhado do seu fiel escudeiro Sancho Panza e sempre apaixonado pela sua musa Dulcinéia. Seus heróis eram o fortão Tarzan, os Três Mosqueteiros, o Conde de Monte Cristo, o Zorro e o caubói John Wayne, que sempre demolia a sopapos os bandidos e que sempre ficava com a mocinha no final dos seus filmes.
O espírito quixotesco de Tonico, característica mais percebida no nível psicológico do que no cotidiano, quase sempre era deslustrada por seus defeitos - esses tanto psicológicos como escandalosamente visíveis: veia satírica e debochada, atávica luxúria e um pavio curtíssimo que, quando queimado, fazia-se acompanhar de desbocado linguajar. Mas ele era quixotesco, sim.
Vai daí que um dia, o menino mais alto e mais forte da sua turma do 3º ano primário, o Vital, durante o intervalo das aulas, desentendeu-se com a Mariana, meninazinha de olhos de ressaca, tipo a Capitu de Machado de Assis, e por quem Tonico cultivava uma paixão secreta. A discussão era por causa de um caderno da Mariana onde o Vital tinha garatujado uma palavra pornográfica:
- Vital, vais ter que apagar esta porcaria do meu caderno!
- Apago nada e se tu duvidar, eu rasgo esse caderno!
Uma dama em apuros. Situação inaceitável para Dons Quixotes. Já me sentindo um novo John Wayne, me meti no quiproquó:
- Vital, seu qualhira(1) de merda, tu não vais rasgar o caderno da Mariana!
- Por que não, seu besta? Que vais fazer?
- Vou te arrebentar de porrada.
- Ah, é? Pois, olha!
Tomou o caderno das mãos da menina e o rasgou de cabo a rabo. Furioso, avancei pra cima dele.
E apanhei que não prestou...
Na saída das aulas, sem consideração com o meu olho roxo e a blusa rasgada, Mariana me reclamava chorosa:
- Foi por tua causa que o Vital rasgou o meu caderno!
Pois é, o John Wayne, o que detonava todos os bandidos, tinha quase dois metros de altura. Ele, sim, arrebentaria o Vital...
(1) Qualhira - designação popular para "boiola" no Maranhão.
Justiça seja feita ao Tonico, cabrinha que deu trabalho para mãe, parentes e professores: tinha horror a injustiças, sempre estava pronto a defender as idéias justas e liberais. Teria dado um bom político, se acreditasse em qualquer partido político, teria dado um bom religioso, se acreditasse em qualquer Religião. Mas, assim mesmo, era capaz de meter-se em sérios apuros para defender os mais fracos, principalmente se os mais fracos vestissem saias.
Sempre agarrado a livros de histórias de aventuras e romanescas, é claro que, embora possuísse espírito quixotesco, o seu herói não era o bizarro Dom Quixote de La Mancha, sempre acompanhado do seu fiel escudeiro Sancho Panza e sempre apaixonado pela sua musa Dulcinéia. Seus heróis eram o fortão Tarzan, os Três Mosqueteiros, o Conde de Monte Cristo, o Zorro e o caubói John Wayne, que sempre demolia a sopapos os bandidos e que sempre ficava com a mocinha no final dos seus filmes.
O espírito quixotesco de Tonico, característica mais percebida no nível psicológico do que no cotidiano, quase sempre era deslustrada por seus defeitos - esses tanto psicológicos como escandalosamente visíveis: veia satírica e debochada, atávica luxúria e um pavio curtíssimo que, quando queimado, fazia-se acompanhar de desbocado linguajar. Mas ele era quixotesco, sim.
Vai daí que um dia, o menino mais alto e mais forte da sua turma do 3º ano primário, o Vital, durante o intervalo das aulas, desentendeu-se com a Mariana, meninazinha de olhos de ressaca, tipo a Capitu de Machado de Assis, e por quem Tonico cultivava uma paixão secreta. A discussão era por causa de um caderno da Mariana onde o Vital tinha garatujado uma palavra pornográfica:
- Vital, vais ter que apagar esta porcaria do meu caderno!
- Apago nada e se tu duvidar, eu rasgo esse caderno!
Uma dama em apuros. Situação inaceitável para Dons Quixotes. Já me sentindo um novo John Wayne, me meti no quiproquó:
- Vital, seu qualhira(1) de merda, tu não vais rasgar o caderno da Mariana!
- Por que não, seu besta? Que vais fazer?
- Vou te arrebentar de porrada.
- Ah, é? Pois, olha!
Tomou o caderno das mãos da menina e o rasgou de cabo a rabo. Furioso, avancei pra cima dele.
E apanhei que não prestou...
Na saída das aulas, sem consideração com o meu olho roxo e a blusa rasgada, Mariana me reclamava chorosa:
- Foi por tua causa que o Vital rasgou o meu caderno!
Pois é, o John Wayne, o que detonava todos os bandidos, tinha quase dois metros de altura. Ele, sim, arrebentaria o Vital...
(1) Qualhira - designação popular para "boiola" no Maranhão.