Paranóia
-- Psiu... PSSSIIIIU!!!
-- Hein?... Que foi, vovô?
-- Shhhh!... Fala baixo!
-- Por que, vovô?
-- Eles podem ouvir...
-- Eles quem?!?
-- Os informantes...
-- ?!?!?!?
-- Os arapongas, os espias, os pelegos, os reacionários.
-- Ora, vovô, quem está lá na sala é o meu noivo, o Cauã, conversando com o papai.
-- E ele é militar? Vota na Arena ou no MDB?
-- Não, vovô, ele é web designer.
-- Boa coisa não deve ser, pra ter uma profissão com esse nome em inlgês. Só pode ser um vendido pras forças imperialistas reacionárias.
-- Que nada, vovô, ele trabalha com informática.
-- Tá vendo? Eu não disse? Trabalha pros órgãos de informação... qual deles, o DOPS, o SNI ou CIEx?
-- Nenhum desses, vovozinho. Ele trabalha numa produtora de vídeo.
-- Ahhh... fica filmando e fotografando as pessoas de bem, pra depois fazer a ficha... Esconde o meu exemplar d'O Capital! Joga fora os jornais O Trabalho! O disco com o hino da Internacional Socialista, que eu trouxe da França, coloca dentro da capa de um long play daqueles ingleses degenerados, aqueles rapazes que só fazem gritar ié-ié-ié... Os discos do Victor Jara e da Mercedes Sosa também... Pena que eu não tenho mais dentes, senão comeria minha agenda... Ah, e aquele Havana que eu ganhei em Cuba, das mãos do próprio Comandante, e tava guardando pra fumar em comemoração quando a revolução triunfasse, tem que ser destruído também, infelizmente... e a Stolichnaya que tava guardada pelo mesmo motivo, você joga na privada e enterra a garrafa.
-- Que isso, vovô!
-- O Jango tentou, mas os americanos não permitiram... O Brizola sempre foi perseguido!... Agora eu tenho esperança de que aquele menino, aquele metalúrgico sindicalista, um dia consiga chegar lá, se os nossos companheiros no Araguaia tiverem sucesso.
-- Agora toma o seu remédio, tá?
-- Remédio pra que? Eu não estou doente!... Ah, eu estou com aquela doença... como é mesmo o nome?
-- Alzheimer.
-- Valha-me, Karl Marx! Salve-me, Lenin!... Os nazistas me infectaram com uma praga criada pelo Menghelle!