VELÓRIO DE MAL PAGADOR

Sabendo que não era capaz de pagar todas as dívidas, Matusalém arquitetou com a esposa, um plano: fingir-se morto, com direito a velório e tudo e mudar-se para um lugar bem longe, onde jamais fosse encontrado pelos credores. A mulher ajuntou os últimos trocados, comprou caixão, mortalha e até contratou a banda municipal para tocar música fúnebre, durante o cortejo - quinhentos metros de caminhada, aproximadamente, era este o percurso de sua casa até o cemitério.

A morte súbita foi anunciada na segunda-feira à noite - uma estratégia estudada pelo casal – àquela hora, o povo cansado do trabalho, se retiraria cedo. Restaria apenas a viúva, dois irmãos do falecido e um cunhado – contingente suficiente para carregar o caixão que receberia um recheio de ossos ressequidos de um cavalo morto por picada de cobra há mais de 90 dias.

Espremido dentro do caixão há mais de seis horas, Matusalém já não suportava o cheiro de jasmim e de vela branca queimando... Ainda por cima, a mulher tinha exagerado na quantidade de algodão colocada nos buracos da venta e não pusera sequer, nenhum chumaço nos ouvidos...

O último condolente a se despedir fora Miguilim, a quem o defunto havia comprado fiado o cavalo com a promessa de pagar no ano vindouro...

Vendo que estava praticamente a sós com o finado, Miguilim cochichou na alça do caixão, bem próxima ao ouvido do "morto": “A dívida está perdoada compadre, mas da próxima vez, pague suas contas antes de morrer ou pelo menos não leve o cavalo”.