FÁBULAS FABULOSAS ou Classicozinhos Infantis Revisitados - CAPÍTULO III
Era uma vez uma linda princesa cujo pai, o Rei, estando viúvo há muitos anos, resolveu casar-se novamente.
A fim de arranjar uma noiva, deu uma grande festa no Palácio Real, para a qual convidou todas as mulheres casadoiras do Reino. Terminou por escolher aquela que lhe pareceu ser a mais bonita, inteligente, culta e nobre entre todas as outras.
O que ele não sabia, porém, é que a sua eleita na realidade era a Grande Bruxa Malvada, a qual queria casar-se com o Rei apenas para usufruir de sua fortuna, poder e prestígio. Usando de artifícios feitiçológicos de sua lavra e autoria, e tendo ainda uma pequena ajuda de um tal Gran Mago Ivanowsk Pitanguy, de feia, torta, encarquilhada e verruguenta que era, transformou-se numa linda mulher.
O feitiço, entretanto, subiu-lhe à cabeça, pois ficou tão encantada por ter se tornado bonita e gostosa, que não admitia que houvesse outra mulher no Reino que fosse mais bela do que ela.
Por isso, todos os dias pela manhã ela consultava seu velho e infalível espelho mágico:
-- Espelho, espelho meu, existe alguma mulher mais bela do que eu?
E o fiel espelho respondia:
-- Vós sois bela como a mais delicada pétala da mais linda rosa do mais frondoso jardim... mas tem uma mulher de um taberneiro lá da aldeia que é muito bonita e gostosa também e que faz muito sucesso entre os fregueses que lá afluem aos bandos só para admirá-la por uns momentos e sonharem no tempo restante...
Todas as manhãs isso se repetia: a Bruxa perguntava, o espelho respondia. E a cada dia era uma diferente, cuja simples menção exasperava a Malvada criatura, que se corroía toda de inveja e despeito. À noite, então, mandava seu corcunda de estimação a procurar e eliminar sua involuntária, mas inquestionável concorrente.
Quando parecia que todas as mulheres e moças bonitas do Reino haviam estranhamente desaparecido, num belo dia a Bruxa Malvada acordou toda alegre, faceira e confiante, e foi ligeira a consultar o velho espelho:
-- Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?
-- Sois bela como o orvalho a rebrilhar com o primeiro clarão da alvorada num lindo campo primaveril... mas, cá entre nós... a princesinha, vossa enteada, tá ficando cada dia mais bonita e gostosa... um verdadeiro monumento à beleza e à gostosura... um verdadeiro tesão!
A Bruxa Malvada, ao ouvir tal fato, ficou tão possessa, tão furiosa e tão descontrolada que arremessou um pesado pote de creme anti-rugas da Lancôme no espelho e espatifou-o em mil caquinhos.
Depois, tendo esfriado um pouco a cabeça, percebeu que teria que ser cuidadosa ao eliminar sua rival e enteada, pois que o Rei, seu esposo, era muito ligado à filha e jamais perdoaria a quem quer que fosse que lhe fizesse mal.
Optou por um feitiço poderoso que fazia a vítima dormir para todo o sempre. Preparou a poção, mergulhou nela a ponta de uma agulha, e convidou a princesinha a bordar um pouco em sua companhia.
A filha do rei não era muito dada a estas tarefas feminis de bordar, fiar, tecer e coser, mas como andava um tanto entediada com aquela vida chata dentro do Castelo Real, acabou topando e lá se foi a bordar junto com sua madastra. Dada sua pouca experiência, não demorou a espetar um dedinho com a agulha -- aquela mesma preparada com o feitiço -- e imediatamente caiu num profundo sono cataléptico.
O Rei, seu pai, no começo nem estranhou muito, porque sabia que sua filha era muito preguiçosa e dorminhoca, e sempre acordava tão tarde que praticamente emendava com a hora de ir dormir de novo... Mas depois de três dias começou a estranhar e chamou todos os curandeiros conhecidos e desconhecidos das redondezas, sendo que nenhum deles, contudo, logrou fazê-la despertar.
Desconfiado, Vossa Majestade ouviu a pulga atrás de sua orelha e concluiu que isto só podia ser obra e arte de sua invejosa esposa.
Enfurecido, decapitou-a com sua espada real. Desesperado, definhou de tristeza e, em pouco tempo, veio a falecer.
Cem anos se passaram, o Reino ficou abandonado, a floresta cresceu e tomou todas as ruas e casas, e já havia coberto a maior parte das ruínas do Castelo Real, quando um nobre e garboso príncipe vindo de um Reino distante, montado em seu garboso e nobre alazão, resolveu fazer uma parada para descanso por ali.
Ao adentrar as ruínas, qual não foi sua surpresa ao ver aquela linda princesa adormecida sob um poeirento e roto cortinado!
Enternecido, aproximou-se, levantou-lhe as cobertas e não resistiu ao impulso de beijar tão bela criatura. Acontece que o beijo sinceramente apaixonado de um nobre e garboso príncipe era justamente o antídoto para o feitiço da Bruxa Malvada e, com isso, a princesa finalmente despertou.
Foi um pouco difícil abrir os olhos, porque as pálpebras remelentas estavam muito grudadas. Levantar o corpo foi outra dificuldade, porque cem anos de sedentarismo total haviam atrofiado seus músculos. Falar foi quase impossível, porque os mucos e secreções que recobriam suas cordas vocais haviam ressecado depois de tanto tempo em silêncio. Mas, com esforço e determinação, a princesa conseguiu erguer um braço, liberando assim os eflúvios malcheirosos de um centenário sem banho nem asseio algum. Contudo, o que esbodegou com tudo mesmo foi quando ela finalmente abriu a boca e suspirou. O bafo terrível de cem anos de sono profundo fazia a fossa do castelo, por comparação, cheirar a perfume francês.
O nobre e garboso príncipe, então, ficou gravemente intoxicado e morreu entre dolorosos e cruéis espamos.
E a princesa morreu de inanição e desidratação, pois que nada comera nem bebera durante todos aqueles anos.
E assim acaba essa história, porque todos os personagens morreram.
Moral da história: sedentarismo mata. nhaca também. e inveja é uma merda!