As aventuras de Tonico - Um quase herói maranhense...
São Luís do Maranhão viveu um verdadeiro clima de guerra no ano de 1951 - em virtude da rejeição popular ao governador eleito, Eugênio Barros - que motivou intervenção federal e tropas do Exército nas ruas.
Numa cidade de tradições oposicionistas, o povo sentia-se frustrado porque o candidato de sua preferência, Saturnino Belo, havia morrido antes de serem concluídas as apurações e o TRE proclamara Eugênio Barros, o candidato do Governo, governador do Maranhão. São Luís, antes pacata e ordeira, transformou-se numa praça de guerra por duas semanas. O TRE diplomou Eugênio Barros governador do Maranhão. A revolta cresceu mais. As residências dos juízes do TRE foram apedrejadas e a cidade se inflamou toda.
Os partidos que formavam as Oposições Coligadas convocaram o povo ao motim popular, prometendo-lhes as armas necessárias para marcharem contra o Palácio do Governo e retirarem de lá, à força, aquele que eles consideravam usurpador do cargo de governador. Todos que aderiam eram logo saudados como bravos Soldados da Liberdade, a Praça João Lisboa virou Praça da Liberdade e um sobradão colonial, o quartel general da revolta.
Diariamente servia-se uma feijoada e se distribuíam cigarros ao povo reunido na Praça João Lisboa enquanto os políticos oposicionistas proferiam exaltados discursos. O lugar, portanto, vivia cheio de Soldados da Liberdade dispostos ao sacrifício das próprias vidas para que a vontade popular prevalecesse. Havia quem dissesse, entretanto, que a feijoada e os cigarros eram motivação maior para o espírito de heroísmo que dominava aqueles corações...
Para evitar a anunciada invasão, a Polícia Militar entrincheirou-se à frente do Palácio do Governo, e a ordem era atirar no primeiro que ultrapassasse uma certa área, logo batizada pelo povo como Paralelo 38, numa alusão à Guerra da Coréia que se travava na época entre americanos e norte-coreanos. Escaramuças já tinham ocorrido entre a Polícia Militar e populares, resultando em mortos e feridos, e os policiais tinham ordens de dissolver à bala qualquer massa popular ameaçadora.
Num desses dias, eu e o meu irmão mais velho, José, estávamos lá, junto com a multidão, escutando os inflamados discursos. Eu, esperando a feijoada, José, os cigarros... Então, um doido folclórico, de apelido Bota-Pra-Moer (assim apelidado, porque, quando estava em crise, batia com a cabeça nas paredes ou nos postes) aproximou-se da multidão excitada e gritou:
- Quem é o cabra macho que quer se juntar comigo agora para invadir o Palácio e tirar de lá Eugênio Barros, vivo ou morto?
Todos se ofereceram. E, de repente, muniram-se de facas, facões, pedras, paus, galhos de árvores e, sob o comando de Bota-Pra-Moer, que empunhava uma rota Bandeira Brasileira, rumaram para o Palácio do Governo, cantando o Hino Maranhense.
E a turba enfurecida, aos gritos de “Fora, Eugênio Barros!”, foi avançando, arrebanhando voluntários em cada esquina...
Mesmo morrendo de medo, eu caminhava junto com o povão, já me sentindo um herói, pois não tinha nenhuma dúvida de que a coragem daquela gente era realmente poderosa e irresistível. Dentro de poucos minutos, com certeza, ainda que muitos caíssem, varados pelas balas da polícia, estaríamos lá dentro do Palácio do Governo. E eu já me via, em fotos nos jornais, saudado como o "herói mirim da resistência popular".
Mas, de repente, ao avistar o Paralelo 38 e a Polícia Militar entrincheirada, Bota-Pra-Moer voltou-se para o povo e perguntou:
- E agora, quem vai na frente com a Bandeira?
E acrescentou, com uma gargalhada:
- Sou doido, mas não tanto... Sou Bota-Pra-Moer, não Bota-Pra-Morrer!...
E porque os Soldados da Liberdade também não o eram, voltaram todos murchos para o quartel-general para esperar pelo que realmente interessava, isto é, a feijoada e os cigarros...
E eu, no fundo aliviado por ter escapado do perigo das balas da polícia, lamentava, entretanto, o fim da minha curtíssima carreira de quase-herói. E cá entre nós: eu estava preparado para, ao primeiro cuspir do fogo das metralhadoras dos samangos, botar sebo nas canelas!
São Luís do Maranhão viveu um verdadeiro clima de guerra no ano de 1951 - em virtude da rejeição popular ao governador eleito, Eugênio Barros - que motivou intervenção federal e tropas do Exército nas ruas.
Numa cidade de tradições oposicionistas, o povo sentia-se frustrado porque o candidato de sua preferência, Saturnino Belo, havia morrido antes de serem concluídas as apurações e o TRE proclamara Eugênio Barros, o candidato do Governo, governador do Maranhão. São Luís, antes pacata e ordeira, transformou-se numa praça de guerra por duas semanas. O TRE diplomou Eugênio Barros governador do Maranhão. A revolta cresceu mais. As residências dos juízes do TRE foram apedrejadas e a cidade se inflamou toda.
Os partidos que formavam as Oposições Coligadas convocaram o povo ao motim popular, prometendo-lhes as armas necessárias para marcharem contra o Palácio do Governo e retirarem de lá, à força, aquele que eles consideravam usurpador do cargo de governador. Todos que aderiam eram logo saudados como bravos Soldados da Liberdade, a Praça João Lisboa virou Praça da Liberdade e um sobradão colonial, o quartel general da revolta.
Diariamente servia-se uma feijoada e se distribuíam cigarros ao povo reunido na Praça João Lisboa enquanto os políticos oposicionistas proferiam exaltados discursos. O lugar, portanto, vivia cheio de Soldados da Liberdade dispostos ao sacrifício das próprias vidas para que a vontade popular prevalecesse. Havia quem dissesse, entretanto, que a feijoada e os cigarros eram motivação maior para o espírito de heroísmo que dominava aqueles corações...
Para evitar a anunciada invasão, a Polícia Militar entrincheirou-se à frente do Palácio do Governo, e a ordem era atirar no primeiro que ultrapassasse uma certa área, logo batizada pelo povo como Paralelo 38, numa alusão à Guerra da Coréia que se travava na época entre americanos e norte-coreanos. Escaramuças já tinham ocorrido entre a Polícia Militar e populares, resultando em mortos e feridos, e os policiais tinham ordens de dissolver à bala qualquer massa popular ameaçadora.
Num desses dias, eu e o meu irmão mais velho, José, estávamos lá, junto com a multidão, escutando os inflamados discursos. Eu, esperando a feijoada, José, os cigarros... Então, um doido folclórico, de apelido Bota-Pra-Moer (assim apelidado, porque, quando estava em crise, batia com a cabeça nas paredes ou nos postes) aproximou-se da multidão excitada e gritou:
- Quem é o cabra macho que quer se juntar comigo agora para invadir o Palácio e tirar de lá Eugênio Barros, vivo ou morto?
Todos se ofereceram. E, de repente, muniram-se de facas, facões, pedras, paus, galhos de árvores e, sob o comando de Bota-Pra-Moer, que empunhava uma rota Bandeira Brasileira, rumaram para o Palácio do Governo, cantando o Hino Maranhense.
E a turba enfurecida, aos gritos de “Fora, Eugênio Barros!”, foi avançando, arrebanhando voluntários em cada esquina...
Mesmo morrendo de medo, eu caminhava junto com o povão, já me sentindo um herói, pois não tinha nenhuma dúvida de que a coragem daquela gente era realmente poderosa e irresistível. Dentro de poucos minutos, com certeza, ainda que muitos caíssem, varados pelas balas da polícia, estaríamos lá dentro do Palácio do Governo. E eu já me via, em fotos nos jornais, saudado como o "herói mirim da resistência popular".
Mas, de repente, ao avistar o Paralelo 38 e a Polícia Militar entrincheirada, Bota-Pra-Moer voltou-se para o povo e perguntou:
- E agora, quem vai na frente com a Bandeira?
E acrescentou, com uma gargalhada:
- Sou doido, mas não tanto... Sou Bota-Pra-Moer, não Bota-Pra-Morrer!...
E porque os Soldados da Liberdade também não o eram, voltaram todos murchos para o quartel-general para esperar pelo que realmente interessava, isto é, a feijoada e os cigarros...
E eu, no fundo aliviado por ter escapado do perigo das balas da polícia, lamentava, entretanto, o fim da minha curtíssima carreira de quase-herói. E cá entre nós: eu estava preparado para, ao primeiro cuspir do fogo das metralhadoras dos samangos, botar sebo nas canelas!