BLACKOUT DE FÉRIAS

Quando a coisa começa "zicada" ...tem mais jeito não!

E tudo começou com a pandemia do vírus influenza A H1N1.

Cancelar viagens na última hora e tentar fazer algo de improviso na boca das férias nunca é tarefa muito fácil nesse mundo civilizado.

As pessoas juram que há crise por aí, mas não é o que parece não.

As passagens aéreas sumiram, e os locais estão todos aglomerados, com ou sem gripe.

Então resolvemos fugir da cansativa civilização, para um tour pelas montanhas, a começar por um lugarzinho de pouco acesso.

Bem, de pouco acesso é um modo gentil de se dizer, isso para não se falar, assim de sopetão, de impossível acesso!

Fechamos com a pousada e lá fomos nós rumo à divisa de Itamonte com Itatiaia, bem lá em baixo, no pé da serra, para depois subi-la de novo até o Agulhas Negras, meu sonho ecológico de consumo.

Seriam alguns quilômetros de serra, de estrada de terra, o que daria um tom mais emocionante e genuíno ao passeio."Ótimo", eu pensei.

Só não nos disseram que a estrada era de rocha, e alguns quilômetros seriam uma eternidade.

Quase carregamos o carro nas costas.Assim seria bem mais fácil chegar até lá.

Depois de muitas horas... chegamos. Uffa! Silêncio total.

A beleza da natureza e as acomodações indiscutivelmente nos acalmaram os ânimos. Só a primeira vista.

A coisa, que ainda mal tinha começado, me pareceu estranha.

Lá não havia sinal para nada.

Nem para celular, nem para televisão, nem para cabeamento telefonico, nem para net, nem para satélite.

Talvez um pombo-correio, quem sabe.

Aliviei-me quando vi umas lâmpadas acesas a eletricidade, mas me impressionei com a quantidade de lampiões a querosene e lareiras pelos cantinhos da casa maior.

A camareira , orgulhosamente, foi logo avisando:"Aqui os colchões são térmicos, porque a temperatura a noite é negativa, e só regular nesse botãozinho daqui". Qualquer coisa tem a lareira no chalé.E os chuveiros são a gás. E logo entenderíamos o porquê de todas aquelas explanações.

E naquela noite o tempo fechou.A frente fria se armou, o céu nublou e veio a tempestade. Alguns fios condutores de eletricidade se danificaram pela mata, e presenciamos o blackout mais escuro do planeta. Braços de araucárias voavam para todas as direções.Sem previsão de conserto! Claro, naquela escuridão nem bombeiro chega logo!

O breu é total no âmago das montanhas.

Alguém bateu no chalé: Era o mensageiro que nos informava "Dona Olímpia mandou dizer que o jantar está na mesa". E sumiu.

Milagrosamente estava, porque o fogão era a lenha. O problema era chegar até lá. Pegamos o guarda chuvas do chalé.

Chegamos à casa central às cegas, apenas seguindo a dedução duma linha reta pelo breu do jardim...à luz duma vela que logo se apagou ao vento. O guarda-chuvas se envergou todinho.

Foi o jantar mais inusitado que já vi. E a melhor comida também.

Aqueles lampiõezinhos a querosene e os fogões a lenha são muitos úteis...ainda, em pleno século vinte e um.

De volta ao chalé...tiritando de frio, cadê os colchões térmicos?

Claro, não tinha mais energia e adeus aquecimento.

Acendemos a lareira. Banho nem pensar!

Raios, o fogo inundou de fumaça o chalé e os nossos olhos, que só lacrimejavam. Abanamos rapidamente a lareira.

"Deus, aquilo era férias?-pensei.

Não dormimos preocupados em como sair dali no dia seguinte.O carro atolaria. E o Agulhas Negras?

A manhã nasceu ensolarada...como se nada houvesse acontecido.

Subimos pela mesma estrada de rochas sem carregar o carro nas costas, rumo ao topo das montanhas.

Mesmo o maior sacríficio nunca é o mesmo quando o repetimos por inúmeras vezes, foi o que me pareceu.

Chegamos lá em cima junto com a maior rajada de vento do inverno, caminhando sob as nuvens baixas.

Uma força que deslocava os corpos e portanto...a escalada havia sido cancelada. Confesso que fiquei meio asssustada.

Não se enxergava um palmo a frente do nariz!

Precisávamos avisar o pessoal de casa que havíamos chegado, e acreditem, havia o seguinte anuncio no caminho de volta ao chalé:"Pare, aqui há sinal de celular"

Liguei o aparelho...mas a chamada não se completava.

Entramos nas instalações dos montanhistas, e uma moça nos informava que só o celular dela captava o sinal, naquela sua posição meio estranha, imóvel.Cobrava cinco reais para fazer a ligação... do celular dela...a cobrar.

Nossa! Achei aquela idéia demais! Ela vendia o sinal do celular! Só aqui mesmo.

Topei.Afinal,se não era o estrago do vírus , aquilo só poderia ser praga dele!

Não sei porque, mas a ligação também não deu certo.

A moça, nitidamente irritada, perdeu o seu "negócio".

Descemos a serra e de volta ao chalé, lá ficamos imóveis e incomunicáveis por mais um dia.

Como manda a natureza...quando é humanamente invadida.