E ENTÃO...A FILA ANDOU!
Embora estejamos na era do "wireless", ali contávamos apenas com um cabeamento para um notebook de uso próprio e um hardware de uso comunitário, esse com a seguinte inscrição em letras bem visíveis: "em caso de espera, o tempo máximo de uso é de trinta minutos", recado que eu li de longe...
E então, naquela noite eu me dirigi à sala de mídia do hotel, apenas com a intenção de mandar um mail de caráter urgente.
No cabeamento para notebook havia um senhor, cujo filho adolescente me pareceu deveras impaciente para usar o computador do pai.Seria impossível, ao menos naquele momento.
Aquele elegante senhor falava ao mesmo tempo no celular, e mesmo em francês, pude perceber que era um aviador, cujas instruções tentavam manter algum avião no ar."Ainda bem", pensei.
Mas foi "ela" quem mais me chamava a atenção.
Uma moça morena, de pequena estatura, de cabelos lisos e pretos que se apossava do computador comunitário.
"Apossar" era pouco para aquela dama, que resolvera naquela noite montar o seu escritório de secretária executiva ali mesmo.
Ao seu lado, via-se sua bolsa gigante displiscentemente jogada numa poltrona "bergère", seus ouvidos plugados em dois celulares ao mesmo tempo, uma garrafinha de água crystal sobre o móvel do computador, e suas pernas esticadas num puff que expunham seus pés de meias brancas enfiados numas havainas pretas. Ainda não havia visto seu rosto, posto que estava colado na tela do vídeo.
"Sim doutor, já enviei, não chegou ainda?"-dizia ela ao seu provável chefe.
Sentei e comecei a sonhar com a minha vez de usar o meu email, sem acreditar no que via.
Após uns quinze minutos de espera o menino se aproximou de mim:"moça, desiste, ela já está aí há um tempão!"
Comecei então a observar sua tela.Estava apenas apagando seus mails.Discaradamente limpava o computador alheia a tudo e a todos daquela minúscula sala.
Esperei mais quinze minutos..e mais trinta...e...
Aquilo já era ponto de honra para mim: tirá-la dali, independentemente de qualquer coisa.Agora eu esperaria a vida toda!
Fui à gerência do hotel e perguntei:"por favor, aquela senhorita da sala do computador é acionista da emprêsa?"
Percebi que os coloquei "numa sai justa". Expliquei o que ocorria, entreolharam-se, me pareceu que já sabiam do fato, e explanei a minha urgência de mandar um mail.
-Por favor, use o meu computador daqui, senhora", disse-me o gentil gerente, tentando me despistar.
-Não, eu quero usar aquele de lá, aquele de direito, que tem a inscrição de uso limitado.Já espero há uma hora e meia.
A confusão estava montada.
Antes que a gerência resolvesse, não aguentei, e gentilmente interrompi a conversa daquela folgada moça ao celular:
-Por favor, só uma perguntinha, a senhorita vai demorar muito?
-Só um minuto, doutor-respondeu ao telefone, sem manifestar o mínimo de inquietação. Hã? ah, vou sim, preciso terminar de mandar meus mails. Tenho urgência.Você está esperando pelo computador? Eu não sabia...
-Não, imagina se estou! Eu estou há uma hora e meia assistindo uma peça de teatro! A senhorita, tão eficiente, não leu o aviso?
-Só um momento doutor-disse ela na maior cara de pau.
Aumentei meu tom de voz para o doutor do lado de lá me ouvir:
-Olha moça, você me desculpe, mas se eu fosse esse "doutor" aí, não teria uma secretária folgada e mal educada como você mas nem mais um minuto...que monta na cara dura seu escritório dentro duma sala de uso "comunitário" dum hotel! Você estaria despedida, e com louvor!
-Mais um momentinho, doutor, estou com problemas.
-Com problemas estamos todos nós, moça!Você é uma folgada!-falei bem alto para aquele doutor não deixar de me ouvir!
Nisso, chegou a gerência do hotel que tentava acalmar os ânimos da "fila de espera" já insuflada pelo meu propósito: o de despedir aquela secretária folgada.
-Calma senhora, já vamos resolver a questão.
Duas palavrinhas da gerência , ela ainda contra agumentou, e por fim...cedeu, sob uma discreta pressão.
-Doutor, te ligo depois.
Percebi que minha vingança foi a galope.
O garôto logo veio ter comigo.
- Nossa, nunca vi uma secretária folgada assim.
Seu pai aviador esboçou um sorriso discreto.
Ainda levou uns bons minutos para que ela SOSSEGADAMENTE desarmasse aquele seu escritório ambulante...
E foi só assim que aquela fila, enfim, andou.
Verídico, ocorrido em São Lourenço, Minas Gerais.
Nota: Eu e todos de lá daquela salinha, na maior torcida para que aquele anônimo doutor me leia...