OBJETO NÃO IDENTIFICADO
No aniversário de meu filho resolvi dar-lhe um presente diferente. Nada dos habituais (sugeridos por ele) videogames, novo celular, roupas e tênis de marca, skates e outros.
Ele estava afundado numa poltrona, diante do televisor, os pés em cima da mesinha de centro, quando lhe entreguei o embrulho. Abriu-o devagar, mascando chiclete, deu uma olhada no estranho objeto:
– O que é isto?
– Um livro, nunca ouviu falar?
Ele puxou pela memória: acho que sim, uma vez na escola.
– Então deixa te apresentar.
– Agora não, tô ocupado.
Fiquei frustrado, pois pensei que ele iria examinar o livro, dar uma lida na contracapa, nas orelhas, apreciar a composição gráfica. Nada disso. Deixou o presente de lado, na mesinha, e continuou prestando atenção ao programa dos Simpsons na TV.
Dois dias depois, noto que o livro continuava lá como o havia deixado, envolvido no embrulho rasgado, sem previsão nenhuma de um dia ser manuseado.
Chamei o garoto, com o que nos resta hoje da autoridade paterna, fiz com que se sentasse e iniciei uma preleção: você já ouviu aquela música do Raul Seixas, “eu nasci há dez mil anos atrás”? Pois é, com certeza ele estava se referindo aos livros que já havia lido. “Assistir” a tantos acontecimentos históricos só é possível àquele que se dedica à leitura (sei lá se a interpretação é essa mesmo, o cara era um maluco, mas achei adequada para o caso).
Ler é viver mil vidas. É passar por experiências trágicas ou alegres, é ter a sensação de estar no meio de uma batalha medieval, num barco que afunda, num avião que cai, num vilarejo na Cochinchina, sem sair da poltrona de casa. Como dizia o velho Hayakawa (não, não é nenhum ator japonês de filmes de artes marciais), a leitura é uma experiência simbólica (não, também não atuou em “Império dos Sentidos”, onde é que você andou vendo esse filme?).
Ler é aprender vocabulário, interiorizar a gramática, aumentar seu universo mental. A melhor maneira de a pessoa se tornar um bom redator é a leitura. Somente através da leitura podemos apreciar a obra dos grandes mestres, como Machado de Assis, Shakespeare e Camões.
Terminado o sermão, perguntei vitorioso:
– Alguma pergunta:
– E quem são esses caras?
Eu estava p. da vida, mas não quis perder a oportunidade e respondi:
– Era o trio de atacantes do Flamengo.