(Texto revisado com correções no dia 09/11/2010 às 06:57 am)
 


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(Esse conto é uma história de humor negro!Caso você,caro leitor,não seja adepto desse tipo de humor, passe longe antes que venha atormentar meu juízo!Entendido,queridão?Agradecido. Rafael Velloso)
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    A história a seguir pode parecer um daqueles filmes de terror dos anos oitenta. Queria eu que fosse mentira, e que agora, o que narro para quem for ouvir esse gravador, fosse apenas uma historinha de pescador. Mas ela aconteceu, e foram os trinta dias mais corridos da minha vida. O Rio de Janeiro se tornou a cidade do caos.
   Eu morava em São Cristóvão. Um bairro bom da zona norte do Rio. De um lado, O Maracanã, do outro, a Quinta da Boa Vista, antiga casa do Imperador, onde hoje funciona um museu estranho e desorganizado. Adorava morar no meu bairro. Adorava mesmo!Tem ônibus para tudo quanto é canto. Mas havia perdido a alegria de uns dias para cá.
   Antes de começar, meu nome é Guilherme, e não estou aqui para insistir que acreditem em mim, até porque tudo que eu falarei será ou já foi mostrado pelas câmeras de televisão. Só estou contando a minha versão dos fatos. De como eu vivenciei o apocalipse carioca. E é isso que ouvirão nas minhas próximas palavras.
   Foi numa sexta feira. Se não me engano estava chovendo e, como sempre, eu estava atrasado para a escola. Já fazia uns trinta minutos que eu tentava pentear meus cabelos. Tenho dezoito anos e estou ficando careca. Descobri isso aos quinze, mas não liguei. Agora estou pagando pelo meu descaso. Já fui ao dermatologista. Ela disse que é estresse. Eu não sou estressado. Quer dizer, às vezes me pego irritado com o nada. Se uma pessoa me “fecha” na rua. Eu mudo de sentido e ela continua me fechando, eu me “bolo” e fico de cara feia. Mas só nesses casos.
   Finalmente havia achado um penteado que escondesse meu problema. Um topetezinho escroto e as costeletas quase na linha do queixo. Eu sei que estava ridículo, mas eu precisava fazer algo para disfarçar a nova dimensão da minha testa.
   Fui tomar café na cozinha com meus pais. Eles haviam brigado na noite anterior. O casamento deles não ia bem das pernas. Talvez não se separassem por minha causa. Certa vez escutei minha mãe dizendo que eu não suportaria isso. Que eu era mimado demais para perder o conforto que os dois me proporcionavam. Eu posso com isso? Olha a visão que meus pais têm de mim, cara! Um “baitola-fresconildo”! Mas nem liguei para o “climão”. Continuei tomando meu café enquanto assistia na televisão presa à uma base de madeira improvisada por meu pai, que ficava sobre a geladeira uns dez centímetros. Às vezes a geladeira esquentava por ser velha demais e tínhamos que tirar a televisão de cima da base por alguns minutos até esfriar o eletro debaixo. Na tv, o repórter falava sobre a gripe suína. Mais dois brasileiros haviam morrido. Um no nordeste e o outro no Sul, este segundo um caminhoneiro de vinte e nove anos. Ele parecia preocupado. Eu não liguei. Sabia que seria meio que impossível eu contrair a tal H1N1. Levantei-me da mesa e fui escovar os dentes. O silêncio na cozinha era cadavérico. Meus pais pareciam zumbis. Do espelho do banheiro, eu podia ver meu pai pelo reflexo, na cozinha, olhando para o “infinito”. Ele às vezes fazia isso. Pregava os olhos em um ponto morto e para ali ficava olhando. Pude vê-lo retirando uma pílula verde fluorescente de dentro de um potezinho amarelo escuro com as inscrições “T.C.Q”, que para muitos seria uma alusão à uma facção criminosa do Rio, mas que na verdade, descobri mais tarde significar Tônico Capilar Químico. Papai também estava ficando careca. Só que mais tarde do que eu parecia que ia ficar.
   Ele tomava esse remédio há uma semana, era um remédio novo e diziam ser muito forte. Os mais vaidosos logo que souberam da cura da calvície correram para as farmácias e compraram o produto. Meu pai foi um deles, mas não quis deixar que eu usasse-o. Eu fiquei usando o Finasterida, um outro remédio contra calvície, porém menos eficiente. Se hoje eu estava ficando careca, a culpa era de meu pai.
   Este remédio foi criado em uma fábrica de São Paulo, e, algumas lendas surgiram. Diziam na internet que na pressa de liberar logo o produto no mercado, os fabricantes passaram por cima de diversos testes e leis. O resultado disso era um produto sem todos os efeitos colaterais descritos na bula, pois muitos ficaram de fora. A coloração fluorescente era uma dica de que aquilo era mais forte do que se pensava.
   Saí de casa vinte e dois minutos atrasados. Minha calça jeans me apertava nos fundos e eu estava me sentindo muito mal por estar usando aquele penteado ridículo. O engraçado era que a rua estava deserta. Geralmente àquela hora da manhã as pessoas estavam nos pontos de ônibus esperando suas conduções lotadas e fedidas para mais um dia de trabalho.
   Eu morava na rua que seguindo mais a frente daria no estádio Vasco da Gama. Pela manhã dezenas de pessoas lotavam o ponto aguardando os ônibus que iam para a zona sul, antes passando pela Central do Brasil, onde a maioria dos passageiros desceria. Neste dia o ponto estava deserto. Não havia uma alma. Tudo deserto e silencioso. Não havia pombos. Não havia cachorros de rua revirando o lixo deixando em sacos plásticos na base dos postes de luz. Não havia nada. Me senti como Will Smith em “Eu sou a lenda”. Parecia que naquele momento só eu existia em São Cristóvão.
   Parei por uns instantes em frente a uma escola particular. Era sextaa-feira e não havia alunos. Comecei a me preocupar. Tirei meu celular de dentro da mochila e liguei para minha mãe, mas seu celular estava desligado. Liguei à cobrar para casa e, depois de chamar várias vezes, mamãe atendeu com sua respiração ofegante. Ela estava nervosa. Apenas pediu para que eu voltasse para casa correndo, pois papai estava estranho. Gelei neste instante e pus-me a correr de volta para casa.
   Atravessei ruas sem me importar com trânsito. Apenas corria tomado pelo nervosismo. Meu couro cabeludo queimava. Formigava devido ao xampu anticaspa que a doutora me receitara. Entrei na vila empurrando o portão de grades verdes com toda minha força. Ele se chocou contra a parede de cimento e fechou-se sozinho. A síndica da vila havia instalado um alarme no portão. Se ele ficasse mais que vinte segundos aberto, um alarme chato começava a tocar. Algumas vezes eu saía para a escola mais cedo e deixava-o aberto só de “sacanagem”. Queria que todos acordassem cedo assim como eu. Por que teria o privilégio de mais umas horas de sono enquanto eu tinha que caminhar cambaleante de sono? Nada disso!
   Quando cheguei em casa, vi manchas vermelhas pelo chão. As gotas iam na direção do banheiro. Pude ouvir mamãe me chamando. Apressei os passos e pude vê-la sentada no chão em frente a porta do banheiro segurando a maçaneta. Havia algo de errado.
   -Seu pai enlouqueceu, Guilherme. Me ajuda! Se ele sair do banheiro ele vai nos matar. Olhe o que ele me fez!- gritava ela puxando a porta com toda sua força.
   Comecei a me preocupar. Papai nunca havia agredido minha mãe. Sempre discutiam, ele ameaçava ir embora, as vezes saía de casa e voltava algumas horas depois, mas nunca houve agressão física. Me aproximei para ver o que ela queria me mostrar em seu braço. Ela tinha uma enorme marca roxa, uma mordida.
   -O que está acontecendo, mãe?-perguntei enquanto tentava fazê-la soltar a porta.
   -Assim que você saiu, ele se levantou da cadeira e começou a se debater. De repente os cabelos dele começaram a cair. Conforme ele andava os cabelos iam caindo. Seus olhos foram ficando vermelhos. E sangue escorria de sua boca. Isto que está dentro do banheiro não é sei pai!
   Segurei a porta e mandei que ela fosse limpar o ferimento. Não era possível que tudo aquilo que ela descrevera fosse verdade. Era como se meu pai tivesse se transformado em um... Zumbi.
   Tentei não olhar. Mas a curiosidade me tomou. Fui me abaixando lentamente. Queria olhar pelo buraco da fechadura. Mas não consegui enxergar nada. Há uns quatro anos, eu, no auge da puberdade, coloquei uma bolinha de papel higiênico no buraco da fechadura para que meus pais não assistissem, digamos, meus vícios da época.
Não pude ver, mas pude escutar um gemido. Algo como uma pessoa tentando falar enquanto tossia. Devagar fui abrindo a porta. Lentamente pude enxergar algo dentro do banheiro. Ao ouvir um enorme estrondo de vidros quebrando, empurrei a porta sem temer o que iria enfrentar. As paredes estavam sujas de manchas marrons e vermelhas. O espelho estava quebrado. Não havia ninguém lá dentro. A única coisa que tinha dentro do banheiro era o horrível cheiro de merda e de hospital que emanava do lugar. Dentro da pia pude ver milhares de fios de cabelo misturados a gotas de sangue.
   Virei-me e na janela havia marcas de mãos sujas de sangue. Seja quem fosse que estivesse ali, havia fugido.
Com o olhar pregado ainda na janela, chamei por minha mãe. Estava preocupado. Para onde teria ido meu pai? Virado para a porta do banheiro, continuava a olhar para a janela mantendo certa distância. Foi então que ouvi um outro barulho parecido com uma pessoa falando e tossindo. Senti que algo estava errado. Ao me virar, só confirmei minhas suspeitas. Encarando-me com um olhar maníaco e sangrando pela boca, minha mãe me encarava com o corpo curvado, olhos fundos, mãos postas em forma de garras retorcidas e bufando e rosnando com um cão prestes a atacar outro animal.
   Eu não sabia o que fazer. Nunca imaginei que um dia o filme “Extermínio” de Danny Boyle iria ser tão real em minha vida. Minha mãe parecia personagem de algum Resident Evil da vida. Fui me afastando tentando me aproximar da janela. Porém mamãe-monstra dava dois passos a cada um que eu dava.
   Era assustador. Seus cabelos se desprendiam de seu couro cabeludo como se não houvesse qualquer ligação entre eles. Simplesmente voavam pelo banheiro e se misturavam aquele sangue todo no chão e nas paredes. Sua face era de ódio. Ela parecia não me reconhecer. A ferida em seu braço esguichava um liquido amarelo luminoso. Não havia mais sangue no local da mordida. Eu precisava fazer alguma coisa. Ela ia avançar em mim. A única coisa qual pensei foi um truque que eu usava nos piques-pega da infância. Eu ameaçava correr para um lado, mas com genialidade e flexibilidade corria para o outro lado. Assim, o “predador” ia com toda vontade na direção qual dei a entender que iria e eu saía correndo.
   Ameacei correr pra esquerda e, quando ia desviar para a direita, escorreguei em uma poça de sangue. Me “estabaquei” no chão. Mamãe partiu para cima de mim com um ódio enorme. Não era minha mãe que estava ali. Ela se jogou em cima de mim enfurecida.E aquela baba nojenta, só de lembrar me dá ânsia de vômito. E conforme eu tentava afastá-la de mim, os cabelos dela caíam nas minhas mãos. Foi num lapso de pânico que ganhei forças e a empurrei. Mamãe bateu contra a pia do banheiro que chegou a quebrar e cair sobre seu rosto. Seu corpo tremia como o de um epilético. Eu não sabia o que fazer. Fui até a cozinha e abri o armário. De dentro dele tirei alguns biscoitos, alguns sucos em pó e corri para meu quarto. Esvaziei minha mochila e coloquei os biscoitos e sucos dentro dela. Peguei algumas roupas também, e alguns bonés. Não gostava de usar bonés, eles faziam meus cabelos caírem. Mas também escondiam os buracos deixados por aqueles que já haviam caído.
   Saí afoito do quarto. Corri até a cozinha e peguei um ou dois pacotes de miojos. Talvez tenham sido dez, mas isso não tem importância. O que tem importância são os fatos a seguir. A partir do momento em que pus os pés fora de casa. Tudo que estão escutando está sendo detalhado sem exageros, sem ficção. Eu realmente passei pelos eventos à seguir e serei o mais breve possível. Só quero contar minha vivência nesse inferno sobre terra. E quero que saibam que ainda me encontro vivo. Só não vou dizer aonde. Se já se iniciaram as buscas por sobreviventes, eu saberei.
   Continuando. Saí de casa e mais uma vez tive contato com o mundo vazio em que São Cristóvão havia se transformado. Alguns carros se encontravam abandonados no meio da rua com seus motores ligados. Tentei dar partida em alguns, mas nunca dirigi um carro em minha vida. Sentei dentro de um Pálio vermelho e fiquei olhando para a rua. Pude ver ao longe algumas pessoas correndo na direção da feira de São Cristóvão. Tentei mais uma vez sair com o carro, mas meu esforço era em vão. De repente, senti algo quente na minha nuca. Pelo retrovisor vi uma criança negra, com “marias-chiquinhas” no cabelo se preparando para pular no meu pescoço. Me desviei no instante que suas unhas iam cravar próximas a minha orelha. O monstrinho deu com seus dentes no volante, e seus cabelos seguiram sem a cabeça. A cabeça freou, porém os cabelos não. Soltaram-se como uma peruca espatifando-se contra o pára-brisas. Os dentes caíram no chão fazendo um enorme barulho. E a menina começou a chorar. Parecia descontrolada. Debatia-se como uma criança birrenta. Estava se auto mutilando. Dava com a cabeça no volante ferindo ainda mais sua testa, agora careca. Devagar fui saindo do carro e corri agachado até a próxima esquina. Nesse instante meu celular tocou. Era um número restrito. Atendi imediatamente, como se fosse o telefonema mais importante de minha vida. Do outro lado da linha, no meio de muita estática, pude reconhecer a voz de meu primo Higor pedindo para que eu fosse até a Praça XV, no centro da cidade. O problema seria como eu chegaria lá. Onde pagaria ônibus? Onde exatamente na Praça XV eu teria de ir? Foi então que ouvi cânticos. Por alguns instantes achei se tratar das vozes dos anjos indicando o fim do mundo. Mas vi que era da igreja ao lado da praça. Alguns fiéis provavelmente estavam orando contra o caos armado no bairro.
   Saí do Pálio e cheguei à igreja. Alguém sentiu minha presença e se aproximou do portão azul com uma enorme pomba branca desenhada ao centro. Nem cheguei a encostar-se ao portão de ferro e a tal pessoa surgiu do nada. Um olhar reprovador, mas que se tornou doce após notar minha aflição. Um rapaz gordo abriu o portão cuidadosamente e me puxou para dentro. Caí de joelhos dentro do templo. No altar, alguns jovens e pessoas idosas estavam sentadas ao chão com bíblias em mãos. Eu conhecia a maioria dos jovens ali presentes. Mas tinha mais contato com apenas dois: o Nicolau, um ruivinho magricela que se achava o Rambo. E com a Micaela, essa uma gordinha branca azeda que no jardim de infância era apaixonada por mim. Na verdade, acho que ainda nutria esse amor atualmente.
   Micaela se aproximou e me abraçou.
   -É o fim dos tempos!-Disse ela me puxando para o altar.
   A segui olhando para os demais presentes. Os mais idosos pareciam em transe. Estavam ajoelhados e com as mãos inclinadas para o céu. Sobre a bancada, havia um rádio bem antigo e com uma das portinholas do toca-fita faltando. Micaela notou que eu fitava o objeto.
   -Desistimos de ouvir esses caras. Só estão piorando as coisas! Acredita que um desses jornalistas foi capaz de afirmar que estamos sendo transformados em zumbis?-disse ela em tom revoltado.
   -Acho que não.-retruquei.-Meus pais estão mortos! Meu pai atacou minha mãe e ela, por conseguinte, tentou me atacar! Eles estavam como os personagens dos filmes do Romero! Só que, digamos, carecas! Fui atacado por uma criança-zumbi-careca ali perto do campo do Vasco!-informei.
   Ela e Nicolau se entreolharam. Pareciam não acreditarem no que eu estava dizendo.
   -Tia Juciara morreu?-perguntou Mica se referindo a minha mãe.
   -Não sei. Só sei que ela está lá no chão do banheiro, careca, e totalmente alucinada. Acho que realmente minha mãe virou um zumbi!
   O rapaz obeso que me puxou para dentro do templo se aproximou.
   Ele era imenso. Tanto para os lados quanto para cima. Seu apelido (fui descobrir mais tarde) era Paulinho.
   Paulinho se aproximou de mim e colocou as mãos sobre meus ombros.
   -Ouvi no rádio que todos os que estão sofrendo essa espécie de mutação estão ficando carecas.-comentou ele com sua voz grave, digna dos gordinhos.
   Eu apenas concordei com a cabeça.
   -Eles também disseram que isso começou em São Paulo e veio em menos de dois dias para o Rio de Janeiro. As estradas que ligam o Rio a São Paulo estão interditadas. Parece que algumas rodovias do sul do país também estão tomadas pelo exército.
   Estranhei aquilo tudo. Para o exército se intrometer, é por que a coisa estava saindo do controle. O gordinho foi até o altar e ligou o rádio. Micaela tentou impedí-lo, mas eu não deixa-a fazê-lo. Ao ligar o aparelho, a voz de um locutor histérico ecoou pelo templo fazendo todos pararem suas orações. Dois locutores dialogavam sobre a situação:
   -É impressionante meu caro colega! Parece que estamos em um set de filmagens de um filme de terror! Nossas ruas estão tomadas por verdadeiros mortos-vivos!-disse um deles chamado Ricardo.
   -Recebemos uma informação de nossa sede em São Paulo de que o laboratório DERMCLEAN está se responsabilizando pelos eventos trágicos que ocorrem desde a noite da última sexta-feira. Parece que o remédio contra calvície “TCQ” contém uma substância proibida ainda não informada que em contato com a corrente sanguínea acaba por interferir no comportamento das pessoas atingindo diretamente seu sistema nervoso. - Completou o outro repórter chamado Rodolfo.
   -Não sabemos o número exato de pessoas, mas sabemos que o Rio de Janeiro se tornou o palco de uma caça aos carecas. Todos os carecas estão sendo colocados em quarentena numa base militar ainda não divulgada pelas autoridades responsáveis.
   -E se engana quem pensa que somente pessoas comuns estão sendo transferidas para as bases. Alguns famosos também estão sendo levados como Bruce Willis que estava de passagem pelo Rio divulgando seu novo filme. Além de outros como Renato Aragão, o nadadorFernando Scherer,o Xuxa, o vocalista do grupo Paralamas do Sucesso, Herbert Vianna, e até mesmo o humorista do programa CQC, Marcelo Tas, para citar alguns!
   -O caos está armado e muitas pessoas tentam sair da cidade. O exército pede para que todos continuem em casa, seguros, pois as saídas da cidade estão bloqueadas! A ponte Rio-Niterói foi fechada e ainda não há indícios de contaminação na capital fluminense!
   Foi então que o rádio parou de falar.
   -O professor Xavier estaria fodido, né?-comentei tentando fazer graça, mas recebendo olhares mais que reprovadores dos fiéis ali presentes.
   Micaela me abraçou. No fundo ela estava se aproveitando da situação.
   -Estou com medo!-disse ela afundando o rosto em meus braços.
   -Mas será mesmo que é o tal remédio que está fazendo isso?Um simples tônico capilar?-perguntou Nicolau sentando-se ao meu lado.
   -As pessoas perdem a cabeça para atingir o corpo perfeito. -Comentou uma das idosas,que foi se aproximando de nós.- É assim com as modelos, com os fisiculturistas. Nós não sabemos impor limites a nossa vaidade.-disse ela com uma certa razão.
   A tal idosa sentou-se ao meu lado também e pegou minhas mãos.
   Me senti confortável e acabei por chorar. Só ali vi que não tinha mais meus pais. Só ali vi que estava sozinho no mundo.
   -Nós nunca estamos satisfeitos. Se hoje há modelos que sofrem de anorexia e bulimia, é devido a esse vício pelo corpo perfeito. Essa busca inalcançável pelo corpo padrão da sociedade.
   Eu apenas concordava com a senhora. Sabia que ela estava certa. Eu fazia parte desse grupo escravo da vaidade. Quando eu reparei que eu estava lavando mais rosto do que cabelo, minha vida mudou. Me tornei uma pessoa triste, deprimida , e tudo por que estava ficando careca. Achava que não ia nunca ter uma esposa.
   -Vou trazer a televisão para cá. -avisou Nicolau.
   Nesse instante, ouvimos o barulho de coisas caindo, e vinha dos fundos do altar. Nos recolhemos ao canto, próximo da saída. E os barulhos continuavam, Coisas caíam. Era como se alguém revirasse os armários de dentro do templo. Foi então que uma mão segurou o umbral lateral da porta. E, por fim, apareceu minha mãe, com o mesmo olhar sádico de antes.
   Corremos.
   O zumbi que minha mãe se transformara nos seguiu templo a fora. Corríamos o mais rápido possível e o rapaz obeso era, por incrível que pareça, o mais rápido de nós. Dobramos a esquina e seguimos por uma subida até uma Praça. N a praça, alguns alunos da escola mais próxima se encontravam se debatendo pelo chão, todos calvos. Eu parei para olhar. Foi então que um carro quase passou por cima de mim. Dentro do veículo, Nicolau assumia o volante e pediu para que nós entrássemos e nos espremêssemos lá dentro.
   No carro, os fiéis mais idosos que eram seis ao todo, se espremiam no banco de trás. Notei que não daria todo mundo naquele carro. E foi então que duas zumbis se aproximaram pela parte detrás do carro e puxaram três velhinhas para fora. O grito de pavor de Micaela fez todas as atenções dos zumbis presentes se concentrarem em nós. Eu não sabia o que fazer. Paulinho e Nicolau partiram para cima dos monstros carecas. Era engraçado ver o Nicolau se empolgando enquanto lutava com eles. Parecia se sentir em um filme do Steve Seagal. Pulava, chutava o ar. Acertar alguém que seria o ideal, ele não acertava. Um dos monstros o segurou pelas orelhas e o jogou contra uma amendoeira. Imediatamente ele desmaiou e mais rápido ainda avançaram sobre ele.
   Segurei as mãos de Micaela e corri na direção da rua.Alguns carros passavam em alta velocidade. Provavelmente pessoas tentando fugir. Encontrei um bar aberto. Na televisão, um repórter era atacado ao vivo, diante das câmeras por dois zumbis. O âncora do jornal assumiu o comando da reportagem, na segurança de seu estúdio.
   -A cidade está tomada! Não saiam de casa, e se estiverem nas estradas não parem. O único lugar que não fora atingido pela epidemia nacional fora Niterói. Pelo menos até agora não há casos de vítimas. O que é estranho, afinal, em todos os lugares há um careca querendo deixar de ser careca. Outro grande problema é a polêmica em torno da quarentena. Milhares de pacientes vítimas de câncer se encontram isolados dos demais. Qualquer pessoa careca está sendo presa sem prévio aviso. Tudo está ficando cada vez mais tenso. A dica de defesa civil e do exército é ficar longe dos carecas.
   Levei minha mão até a coroa de minha cabeça. Às vezes me pegava fazendo isso automaticamente. Sempre achava que o “buraco” estaria maior. Quando eu ia a praia acontecia a mesma coisa. Quando eu saía do mar sempre penteava meus cabelos para não deixar que as falhas aparecessem. Micaela notou.
   -Você chegou a usar o remédio?
   -Claro que não!Mas uso outro.
   -Mas você não é careca!-disse ela.
   Eu queria acreditar naquela menina. Mas provavelmente ela dizia aquilo devido ao seu interesse em minha pessoa. Aquela babação de ovo dela por mim já estava irritando. Saí do bar e segui Paulinho que já se encontrava lá na frente. Lembrei-me das demais velhinhas dentro do carro. Será que foram devoradas? Se continuasse assim, logo todos estariam contaminados.
   Apressei meus passos e alcancei Paulinho.
   -Recebi uma ligação mais cedo. Um primo meu disse estar em segurança na Praça XV.
   Ele apenas olhou para seu relógio de pulso.
   -Podíamos pegar um desses carros e irmos procurá-lo!- opinei já ficando com dores no pescoço por ficar olhando tanto para cima.
   -Guilherme, não acredito que essas pessoas são zumbis. Para mim, és chegado o fim do mundo! O mal as possuiu!
   Odiava aquele papo de possessão. Nunca acreditei em exorcismos. Sabem que fiquei quase seis anos para assistir o filme “O exorcista”? Pois é! Eu estava cheio de medos, mas quando finalmente o assisti. Dava vontade de rir! Era ridículo! Se bem que a idéia de zumbis carecas invadindo a cidade, devorando e contaminando pessoas era ainda mais cômica e trágica!
   -Mas podíamos ao menos tentar?Vamos para a Praça XV. Podemos nos refugiar dentro de alguma barca!
   -Faça o que quiser, Guilherme. E leve a Micaela com você! Não quero ela comigo!
   Paulinho era apaixonado por ela, mas doía saber que ela me amava.
   Chamei Micaela e juntos fomos até o carro mais próximo.
   Entramos e lembramos que não sabíamos dirigir.
   Paulinho respirou fundo e entrou no veículo.
   Juntos, nós três seguimos para o centro da cidade.
   Ao chegarmos lá, o clima era parecido. Tudo deserto, lojas abertas sem nenhum movimento. Descemos do carro no Mergulhão. Para quem não conhece o Rio, Mergulhão é uma espécie de túnel subterrâneo que ligava a cidade até o início do Aterro do Flamengo. Descemos do carro e Paulinho seguiu. Nos vimos abandonados ali.
Subi as escadas rolantes que permaneciam como sempre paradas. Lá em cima, pude ver uma aglomeração se formando na porta das barcas. Corremos.
   Meu primo me avistou antes que eu o avistasse. Correu em minha direção e me abraçou.
   -Pensei que tivesse morto, cara!Você não sabe o que eu prendi!- disse ele caminhando em direção as roletas das estações das barcas.
   O segui puxando Micaela pelas mãos. Ela estava muito assustada. Até me esqueci de que poderia estar se aproveitando da situação. Quando cheguei mais próximo, meu primo me pediu para ficar calmo. Foi se intrometendo no meio da multidão, e quando vi que estava parado o segui. O que vi me deixou pasmo. Preso as grades da porta, meu pai se encontrava desacordado e completamente sem cabelos. Seus olhos sangravam e suas orelhas também.
   -Ele devorou um bebê de seis meses ainda agora!-informou meu primo que estava aparentemente abatido.-Precisamos ter acesso à Niterói. Estranhamente lá não há vítimas. Não querem nos deixar embarcar.
   Micaela sentou-se em um banco de pedra.
   Nós três ficamos ali, próximos do portão. No máximo havia cem pessoas. Não saberia dizer aonde se encontravam as demais. O clima era apocalíptico. Pouco se falava, mas muito se chorava. Me peguei lembrando de minha mãe. Precisamente do dia em que lhe disse que estava ficando careca. Disse que eu seria um careca bonito e que tudo era questão de costume. Talvez estivesse certa. Se as pessoas não se preocupassem tanto com suas aparências, talvez hoje em dia não teríamos tantas mortes por erro médico durante operações de cirurgia plásticas, redução de estômago, etc.
   Não sabia o que fazer. Eu não iria para Niterói. Eu e Micaela nos despedimos de meu primo. Ele achou estranho. Eu não queria sair do Rio. Mas tinha um bom lugar para me esconder. Levei Micaela comigo. E até agora estamos escondidos aqui. Não sei o que está acontecendo lá fora. Mas sei que os zumbis estão cada vez mais próximos do meu esconderijo. Ontem um quase arranhou a Mica. Sorte que eu enfiei um pé-de-cabra bem no meio dos olhos deles.
   Não vou mais falar.S ó sei que quero que meu corpo seja destruído caso eles consigam entrar no meu esconderijo. Só vou sair daqui quando tiver certeza de que as coisas se acalmaram, ou quando algum desses monstros carecas conseguirem me devorar junto com a Micaela. Estamos vivendo bem. Ela me convenceu a raspar a cabeça. Se acharem essa fita, saibam que morri antes que soubessem a cura desse mal. Antes que exterminassem todos os carecas.
   Faz um mês que estou aqui. Faz um mês que não tomo meu remédio. Acho que faz um mês que deixei de ser escravo da vaidade. Faz um mês que deixei de ser um zumbi...
 

                       fim.

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 01/07/2009
Reeditado em 08/01/2012
Código do texto: T1677177
Classificação de conteúdo: seguro
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