AS PRESEPADAS DO VELHO MITONHO GAIÃO!

Antonio Salvino Gaião (Mitonho Gaião), era meu avô. Ele era filho do “Coroné” Zé Gaião, aquele proprietário do Engenho Acaú de Cima (Cauzinho), em Condado.

Mitonho tinha dois irmãos, Salvino e Alfredo, dos quais eu não sei dizer muito coisa, só sei que um deles gostava muito de política e eles brigavam tanto que quando o “Coroné” Zé Gaião morreu, eles venderam o engenho por algumas mixarias.

Dizem os mais velhos que Mitonho foi doido desde jovem – que minha mãe não leia isso - e essa loucura ocorreu por causa de uma paixão por uma mulher que não o quis. Deve ser verdade, pois todos que me falavam nesse assunto se referiam à mesma mulher, Maria Amélia. A minha mãe às vezes confirma, noutras vezes silencia, o que dá no mesmo, pois quem cala consente.

Mas que as histórias dele são interessantes e são de doidos, eu não tenho a menor dúvida, até porque eu convivi com ele durante muitos anos. Eu me lembro dele sempre usando uma bengala e vestindo calça e camisa de um tecido duro e da mesma cor, geralmente azul claro ou cinza. Ele tinha a mesma mania de seu pai, Zé Gaião, que vivia repetindo as conversas, com uma grande diferença, porque ele gostava muito de “soltar palavrões”, como a gente costuma dizer na nossa região.

A minha avó, Maria Júlia, era uma pessoa finíssima, além de muito bonita e tranquila. Era uma paz! Quando ela faleceu, Mitonho foi morar próximo à nossa casa, na Rua José Gaião, em uma de suas casinhas de aluguel. Ele era pirangueiro até dizer, basta, tanto que passava dias sem tomar banho para não gastar as roupas. Minha mãe pedia para ele trocar de roupa, pra ela lavar, mas ele não aceitava.

Meu pai, que nunca foi muito delicado, pegava um pedaço de carvão e esfregava na camisa do velho Mitonho, pra ver se ele trocava de roupa. Meu Deus! Era o mesmo que cutucar o cão com vara curta. O velho ficava andando de uma ponta a outra da rua, aos palavrões: vá sujar o cu da mãe “fela” da puta. Desgraçado, miserável. Desgraçado, miserável. Vá sujar o cu da mãe “fela” da puta. Desgraçado, miserável. Desgraçado, miserável, e assim por diante. Isso rendia o dia todo e minha mãe, morrendo de vergonha, ficava aos prantos, mas não havia outra solução, ou meu pai fazia isso ou o velho nunca trocava de roupa.

E quando mamãe pedia pra lavar a casa dele? Era um Deus nos acuda. Ele se negava, fechava a porta da casa e desaparecia. Mas como tinha que fazer as refeições, que minha mãe preparava, voltava. Ela insistia tanto que ele acabava cedendo, mas antes disso, escondia tudo que havia dentro de casa, segundo ele, para ela não roubar. Pode?

Depois que sua casa era lavada, ele não encontrava mais o que escondeu. Não lembrava onde havia botado seus bregueços e aí passava a dizer que minha mãe o roubou. Coitada da minha mãe! Pense num sofrimento! O velho gritava de um canto a outro da rua: desgraçada miserável, desgraçada miserável. Roubou minha cueca pra dar a Joca, roubou minha cueca pra dar a Joca. Vá roubar o cu da mãe “fela” da puta. Vá roubar o cu da mãe “felá” da puta. Depois ele achava as malditas cuecas, mas sequer pedia desculpas a ela.

Os meninos da rua sabiam que Mitonho era meio mouco e não gostava de ouvir gritos. Por conta disso, passavam em sua porta e davam gritos. O velho se levantava de sua cadeira de balanço, com a bengala em punho e começava a ladainha, de uma ponta a outra da rua: vá gritar no cu da mãe “fela” da puta, vá gritar no cu da mãe “fela” da puta, desgraçado, miserável, desgraçado, miserável. Era uma resenha e os meninos adoravam! Só quem sofria era a minha mãe.

Quando já estava bastante enfadado e corcunda, Mitonho foi morar na nossa casa. Ele tinha o quarto dele e um tratamento especial que mamãe lhe dava, mas a sua loucura, quase sempre, se tornava engraçada para nós. O banheiro dele ficava em uma área comum da casa e quando o sanitário de dentro de casa estava ocupado a gente usava o dele. Muitas vezes ele queira ir ao sanitário e quando o encontrava fechado começa outra ladainha: tem gente cagando, tem! Tem gente cagando, tem! Caga desgraçado, caga miserável. Tá danado pra cagar, tá danado pra cagar. Caga desgraçado, caga miserável.

Quando ele ia ao sanitário, deixava a porta entreaberta e, de fora a gente só ouvia sua voz: mija miserável, mija desgraçada. Tu num queria mijar, então mija desgraçada, mija miserável.

Ele passava o dia quase todo na nossa venda, a Venda de Joca Galego. Sentado em um banco de madeira, que meu pai fez, segurava o queixo na bengala e quando estava de bom humor cantarolava umas músicas antigas. Eu me lembro de uma que dizia assim: “eu vi uma barata na careca do vovô, mas quando ela me viu bateu asas e voou...”.

Noutras vezes, ele recitava umas coisas que ele inventava com saudade de seus pais, sua esposa e um filho, que morreu com vinte e poucos anos: “morreu minha mãe, morreu meu pai, minha Maria Júlia e o meu rapaz”. Ele repetia essa loa durante horas. Eu nunca esqueci esses versos e passei a observar que ninguém é de todo ruim, sempre temos algumas qualidades. Todos temos!