sem freio, de ré, na ladeira

SEM FREIO, DE RÉ, NA LADEIRA
Subindo, no meu fusquinha ano 1979, as ladeiras de Santa Teresa, estava indo visitar um velho amigo artista plástico a seu convite, para ajudá-lo a selecionar algumas obras para o seu vernisage no Centro Cultural Banco do Brasil. Seria uma mostra comemorativa dos seus trinta e cinco anos dedicados à arte, o que lhe rendera centenas de prêmios no mundo inteiro, motivo de orgulho para todos os brasileiros.
No meio do caminho observei na encruzilhada um despacho com uma grande vasilha de barro contendo frutas, comidas, farofa, bebidas e flores ao redor, e ri comigo mesmo, gargalhando, debochando e me perguntando: Ha ha ha ha ha, Como é que alguém se presta a esse papel? Esse povo é realmente muito primitivo! De repente, alguns metros à frente, apareceu lá no topo e na curva um carro atravessado na pista. Imediatamente freio para não colidir com o veículo, puxo o freio de mão bruscamente e, puta-que-pariu, fodeu! Neste gesto o vi sair inteiro na minha mão. Entrei em desespero, pois teria que controlar o carro na ladeira só com o freio e acelerador, e passar as marchas sem embreagem. A porra do outro carro fez a manobra e quando fui sair em primeira, os pneus fizeram atrito no chão resultando num forte cheiro de borracha queimada. O carro velho não agüentou o tranco e morreu, o motor afogou e me vi descendo de ré em alta velocidade, entrei em pânico, não sabia mais o que fazer, vi os carros atrás de mim todos desesperados, desvencilhando-se do meu, buzinando e vup, vup firme no volante, para o lado que Deus me guiava, nas várias curvas e do lado direito já podia avistar um abismo, não notado por mim na subida. Foi aí que me lembrei de novo do freio. Fui apertando devagar para o carro não capotar, até o veículo parar num plano reto na beira da Glória. Olha, me deu tanta raiva daquele carro que o vendi e pedi uma mixaria por ele. Para ter carro velho é melhor nem ter, é uma grande pagação de mico: uma hora tem sujeira no carburador e faz barulho alto, nem agüenta subir rampas ( um dia por causa disso, passei vergonha quando fui fazer compras no Supermercado Sendas do Largo do Machado, o carro tinha que subir de vez, pois morria no meio da rampa e todo mundo olhava para mim achando que eu não soubesse dirigir, neste dia enguiçou na porta de casa quando eu cheguei, até tossiu o pobrezinho.) outra hora o acelerador prende, outra é a barra de direção, outra a bateria arreia, são os gastos exorbitantes com oficina...
Aprendi que não se deve fazer pouco caso da fé alheia, devo respeitar as entidades, não ser tão cético assim. Este episódio pode ter sido coincidência, mas por via das dúvidas sempre que eu avistar um trabalho, vou vê-lo com outros olhos, vou saber que é sinônimo de esperança e confiança no futuro.
Quanto ao meu amigo, peguei um táxi até sua casa, escolhemos as obras para a exposição. E voltei no Bondinho.