Retextualizando (num único quadro) a comédia "um casamento esquisito"...
(As mesmas personagens e a ação ocorrendo
no mesmo espaço : sala de visitas da casa
da noiva).
CENÁRIO :
(Inicialmente livre, mas que permita a mudança repen-
tina para uma sala de visitas.
Tem início a sonoplastia e coreografia que imita as a-
presentadas na abertura da novela Caminho das Índi-
as.
Após uns 2 ou 3 minutos, sonoplastia e coreografia são
interrompidas e os participantes saem de cena.
Imediatamente a seguir, tendo à frente a NOIVA cario-
ca, chegam as vizinhas desta ao recinto, portando ma-
teriais destinados à preparação para que o ambiente
passe a ter um aspecto indiano, à espera do noivo.
As vizinhas se movimentam desordenadamente em cena;
a noiva, desorientada, vai de um canto a outro da sala.
De repente, ela para)
NOIVA
(falando para o alto) - Ai, meu Deus...e esse meu noivo indiano que
não chega...
UMA DAS VIZINHAS
(para a noiva) - Sorte tem é você em ter conseguido esse indiano
prá noivo. Dizem que o indiano é tão carinhoso...e com esse gosto
dele pelo Kama Sutra então...
NOIVA
(para a vizinha, dedo em riste, tom de repreensão) - Popará !
(virando-se para o público) - Ousadia (aponta) ELA sabe até demais...
(de novo para a vizinha) - Por que não continua na arrumação? Do
Kama Sutra...digo, de meu futuro noivo cuido eu...(ela recomeça a
andar pela sala, enquanto a arrumação prossegue).
NOIVA
(falando para si mesma, enquanto caminha) - É...preciso aprender
umas palavras indianas prá fazer um agrado pro meu noivo...CHIC!
SPEAKER
(tom de repreensão) - Mociiiinha, nhan, nhan, nhin, nhan, nhan ...A
palavra indiana que você quer dizer é TIC : tê, i, cê...
NOIVA
(rosto para cima, falando para um dos
lados, como se de lá tivesse vindo a voz) - Tic, tac, teco, toco...
dá tudo na mesma...Ah, eu desisto ...
(A campainha toca. A noiva, assustada, faz sinal
característico e as vizinhas vão saindo de cena. O
ambiente já apresenta um aspecto indiano. A noiva
dá umas leves batidas no cabelo, como que arrumá-
lo, retoca rapidamente a maquiagem e se encaminha
para atender a porta).
NOIVA
(enquanto anda, falando na direção da porta) - Tô indo...
(agora, falando para o interior da casa) - Paiêê...ele chegou!
(O pai da noiva, com trajes de um autêntico ma-
landro carioca, entre passos de sambista, vai
chegando ao recinto, onde a seguir se acomoda.
A noiva abre a porta, recebe os cumprimentos dos
chegantes - uma fria abaixada de cabeça em sinal
de respeito -; O pai do noivo senta-se, após uma
breve saudação ao pai da noiva; o noivo permane-
ce de pé, diante da noiva. Esta tenta abraçar o
noivo para beijar, mas este, educadamente, se es-
quiva dos carinhos).
NOIVO
(para a noiva) - Não é auspicioso a noiva se aproximar do noivo
(agora, para o público) - ASSIM TÃO PERIGOSAMENTE...
(de novo, para a noiva) - Shiva não aprova ! (a noiva faz gestual
de resignação e os dois, finalmente, se encaminham para as pol-
tronas mais próximas, onde se acomodam).
PAI DA NOIVA
(levantando-se e limpando um pigarro
inexistente de disfarce. Para o público,
sem ser ouvido pelo noivo) - Futuro noivo refugando abraço e bei-
jo da noiva? Sei não, viu? Será que o (aponta meio às escondidas
na direção do noivo)...esse boi não é vaca? (benze-se rapidamente
e retorna para onde antes se encontrava).
PAI DA NOIVA
(diante e para o noivo) - ALI BABÁ ! (o noivo com expressão de não
ter entendido)
(pai da noiva para o público) - De tanto ouvir na novela das 8 que
acabei gravando essa frasezinha deles...
(O pai do noivo levanta-se e vai até o filho a quem
cochicha algo no ouvido. A seguir, o pai do noivo
retorna para onde estava antes).
NOIVO
(para o futuro sogro, após uma estrondosa gargalhada) - A palavra
de minha língua, futuro sogro, não é ALI BABÁ. É "ARE BABA" !
PAI DA NOIVA
(Para o quase genro) - só se for lá em tua terra...
(para o público, apontando na direção do futuro genro) - COITADO !
se esquece que tá no Brasil, terra dos Ali Babás e seus (faz gestual
com a mão característico de "grande quantidade") fiéis seguidores...
e bota FIÉIS SEGUIDORES nisso !
PAI DO NOIVO
(para o pai da noiva) - Bem, como o prezado sabe, não podemos
esperar. Que tal irmos direto ao ASSUNTO? (levanta-se, no que é
imitado pelo pai da noiva)
PAI DA NOIVA
(para o pai do noivo) - Já sei : o PREZADO quer falar (caracteriza
dinheiro com os dedos) daquilo que é auspicioso, né ? (O pai do noi-
vo balança a cabeça, confirmando)
NOIVA
(levantando-se. Enquanto começa a andar na direção
do interior da casa) - Como vou tá sendo leiloada, acho melhor
dar uma chegadinha lá dentro.Já volto ! (sai de cena)
PAI DA NOIVA
(para o pai do noivo) - Pois é...o dote, né
(MEIO às escondidas, para o público) - É agora que a onça vai
beber água...
(voltando a atenção para o pai do noivo) - O senhor pegou a gen-
te assim meio desprevenido...mas não vai voltar de mãos vazias...
PALAVRA DE CARIOCA...
(Para o público, apontando para o chapéu de sambista) - Da geeeema!
(novamente, para o pai do noivo) - Vou lhe conseguir um senhor dote :
uma espécie de QUAAAAAAAASE dinheiro vivo !
(O noivo se levanta, enlaça o pai pela cintura e os
dois ensaiam os passos de uma música imaginária,
em comemoração pelo bom negócio)
PAI DA NOIVA
(Para o público, enquanto os visitantes
continuam a dança) - Eu por acaso tenho cara de abestalhado, te -
nho? Será que eles pensam que conseguiram apagar o lampião de
meu juízo ?
(Pai e filho voltam aos respectivos lugares. O pai da
noiva aproxima-se do pai do noivo)
PAI DA NOIVA
(após retirar do bolso 2 cartões que
se assemelham a 2 cartões de crédito
que entrega ao pai do noivo. Enquanto
entrega ao pai do noivo) - Dois cartões de crédito de última gera-
ção. Mesmo valor de um cheque visado...Com eles, seu filho tá com
o futuro garantido. Esse primeiro, de tarja preta, é o mundialmente
conhecido CARTÃO DO SUS DO BRASIL, que dá direito a um dos planos de saúde mais perfeitos e respeitados. o segundo cartão, esse que
tem o retrato de um barbudo, é outro também valioso : O CARTÃO
DO BOLSA-FAMÍLIA. Com ele, no final de cada mês, é sagrado : é
só chegar no caixa eletrônico e de lá retirar , em real ou em dólar,
tudo que tiver depositado em minha conta,,,
(tipo segredo, para o público) - Uma merreca que nunca passa de
120 conto.
(De novo, pai e filho indianos simulam uma
dança de uma música imaginária. A seguir ,
o pai vai se sentar e o filho se dirige para o
mais próximo do futuro sogro) .
NOIVO
(já diante do futuro sogro) - O sr. e sua filha fizeram um excelente
negócio. Aliás, cadê sua filha, essa FIRANGA...?
PAI DA NOIVA
(violento, avançando contra o quase genro) - Você se saia, viu,
seu indiano folgado ! Minha filha é moça de família, tá sabeno?
(meio às escondidas, para o público) - Ela é pobre, mas é limpinha!
(de novo, para o quase genro) -FIRANGA é a excelentíssima de sua
santa progenitora...
(de novo, meio às escondidas, para o público) - A mãe mesmo. Na
seca !
(para o quase genro) - Com essa de vim ofender minha filha DENTRO
DE MINHA PRÓPRIA CASA não tem perdão. NÃO VAI TER MAIS CASA-
MENTO NENHUM (a filha chega assustada e com as duas mãos tapan-
do a boca. O pai conclui) - FORA ! fora de minha casa...OS DOIS !
(Atemorizados, pai e filho fogem em disparada, jo-
gando no chão os dois cartões. A filha cai de joe-
lhos no chão, em pranto cômico ("buá", buá...),
enquanto lhe acaricia os cabelos para acalmá-la)
NOIVA
(ainda sentada, desconsolada, para o público) - E agora ? Nessa
escassez de homem...EU QUERO É MORREEEEEEEER !
(Imagem congelada de pai e filha) .
SPEAKER
- Noivo indiano com noiva carioca ? EU SABIA QUE NÃO IA PRESTAR!
(Repete-se a sonoplastia coreografada da música de
abertura da novela CAMINHO DAS ÍNDIAS, enquanto
as cortinas vão se fechando).
f i m.