Argumentação

Estava eu andando na rua quando aparece um menino, um moleque de uns dez anos todo maltrapilho e obviamente me pede:

_Tio, me dá um real?

_Porquê?

O garoto pensou um pouco e respondeu:

_Porque eu preciso.

_Precisa para quê?

_Preciso de um real.

_Mas o que você vai fazer com esse dinheiro? Comprar comida? Drogas? Leite pra sua irmã?

_Não sei você ainda não me deu, preciso de um real.

Já ia formulando em minha cabeça um discurso pomposo, me imaginei em um palanque em um auditório chique com cadeiras ocupadas todas por meninos maltrapilhos, dizendo que argumentação é o ponto chave pra se conseguir as coisas e que para se argumentar tem que se conhecer e milhares de coisas mais que aprendi nos livros. O garoto rude me interrompeu os devaneios.

_Tio, me dá um real?

_Se você argumentar bem antes do meu ônibus chegar, eu te dou quantos reais você merecer.

_O que é argumentar?

_É me convencer, fazer com que eu de esse dinheiro pra você, o que você faz?

_Eu digo, me dá um real?

_Não! tudo errado! Diga algo mais construtivo!

_Meu pai é pedreiro.

_Nada disso também! Vamos, meu ônibus está chegando, rápido! diga algo!

Eu já estava começando a me desesperar quando o garoto disse:

_Olha tio, me de um real, pois, depois que seu ônibus passar vai ser impossível.

Mentalmente percebi a lógica daquilo, inegável, simples, tosca e inegávelmente argumentativa, eu havia sido pego na minah principal arte! Tirei um real do bolso e ia estendendo a mão para o menino, parei subitamente e ele me disse:

_Eu argumentei, você vai argumentar para não dar meu um real? e não dá logo!

Apesar de ver que o garoto tinha aprendido a lição, enquanto já colocava o primeiro pé no ônibus disse:

_Pronto. Não sou seu tio coisa nenhuma.