CULINÁRIAS HILÁRIAS - FEIJOADA
Religiosamente eu diria que a fome é um pecado. Não cometido por quem a possui, mas por quem a provoca. E ela acaba operando milagres, numa espécie de contradição dos preceitos divinos. Mas o que seria da crença do homem em Deus se não fossem as suas contradições, não é mesmo? Explico o caso.
Havia no sábado nebuloso, comprado todos os ingredientes para uma completa no dia seguinte(descrevo o tempo porque não posso ver o céu escurecendo ou um ventinho mais frio que dá vontade de comer feijoada). Uma pausa: as chamadas ‘feijoadas completas’ dos restaurantes ganharam adjetivo por causa dos acompanhamentos; que para um cozinheiro que se preza não passam de obrigação – arroz, laranja, couve, farofa e, claro, caipirinha. Para quem admira, a feijoada completa mesmo é aquela que diziam na minha terra: leva até a tábua do chiqueiro no seu preparo.
Então veio tudo separadinho e salgado. Do rabo ao focinho do porco, só não vieram os pelos. Já comecei a preparar o apetite no sábado, fazendo a concentração como jogadores de futebol em véspera de jogo. E esqueci de deixar os ingredientes em molho de água. E tomei bastante caipirinhas a ponto de ficar sem sal nos miolos no dia seguinte.
Ai vem o ritual: picar tudo direitinho e preparar, sem segredo, o manjar dos mineiros. E mais caipirinha porque rituais não podem ser profanados.
Na hora de comer ninguém suportou de tanto sal. Eu havia colocado ainda mais tempero, como se fizesse uma comida normalmente. Dizem que nosso apetite é regido pela sequência (já estou estreando sem o trema) olfato, visão, paladar - nessa ordem. Os dois primeiros sentidos ficaram perfeitamente atendidos, o paladar, intragável.
Agora vem a solução pela fome. O Vinicius, grande amigo e morador de uma das repúblicas da universidade local (na cidade de Mariana), chegou no momento em que me preparava para jogar tudo fora. Pediu para levar para sua casa, resistindo aos meus argumentos sobre a impossibilidade de se digerir comida tão imprópria para o consumo humano. Cedi diante do imponderável.
Na sei que milagre ele realizou para ‘consertar’ a feijoada ou se mentiu no dia seguinte ao retornar com a panela lavada, dizendo que havia sido um banquete para seus colegas república.