A PEQUENA MAISA E O MONSTRO TERRÍVEL (a arte de iludir parte I)
A PEQUENA MAISA E O MONSTRO TERRÍVEL (a arte de iludir parte I)
(Autor: Antonio Brás Constante)
Muitas vezes até coisas lógicas, como a própria lógica, podem falhar quando são utilizadas de forma parcial ou meramente representativa. Por exemplo, se encontrássemos alguém que desconhecesse os gentílicos, ou seja, os nomes utilizados para definir as pessoas nascidas nos diversos lugares deste mundo, e lhes disséssemos que quem nasce na Argentina é chamado de argentino, quem nasce em Londres é londrino e quem nasce nos Andes é chamado de andino, este indivíduo poderia deduzir que quem nascesse na Espanha se chamaria espinho, se fosse em Creta seria cretino e nascendo na Suíça só poderia ser suíno, e passaria a achar que a tal gripe A(H1N1) veio de lá.
O que acaba chocando e causando desapontamento é quando o poder público resolve tratar as coisas de forma representativa, e ao invés de trabalhar o todo, foca os esforços sobre um fragmento do problema, na expectativa de que isso faça com que as pessoas pensem que se está atuando de forma eficiente na solução geral. É o que parece estar acontecendo no caso do alarde sobre o choro televisivo da menina Maisa (vítima de um ato de péssimo gosto de quem bolou aquele episódio).
Se ela chorasse embaixo de uma ponte, abandonada em alguma viela, sofrendo indefesa diante dos tantos horrores pelos quais sofrem milhares de crianças anônimas, diariamente, explicitamente e vergonhosamente em cada um dos recantos deste País, os tais representantes de seus direitos, provavelmente, continuariam quietos em suas funções burocráticas, pois todos sabem que são muitos os casos de desrespeito as crianças, faltam funcionários, faltam recursos, blá, blá, blá e mais blá.
Mas um choro na televisão tem um peso maior, causa comoção, e faz com que os paladinos da justiça corram de forma altruísta ao seu socorro, e aproveitem para aplicar multas milionárias no decorrer do processo. Eles aparecem em todas as mídias que queiram ouvi-los para dizer que estão de olho em qualquer violação dos direitos da conhecida menina. E assim a pequena Maisa pode continuar a seguir sua carreira tranqüila, enquanto o monstro terrível do abandono fica lá fora, nas favelas, ruas e sinaleiras (apenas citando alguns lugares onde este ser monstruoso pode ser encontrado), atacando livremente todas as demais crianças, que vivem sem assistência ou audiência.
A hipocrisia parece transbordar soberana quando se vê casos assim, onde tentam dar a entender que a sociedade realmente estaria atenta e disposta a fazer algo em favor dos injustiçados e compensar o descaso escancarado. Quase dá para ouvir um retumbante discurso dizendo: “nós não somos omissos aos problemas infantis, mas como não podemos atender a todos com igual eficiência, vamos mostrar nossa competência neste ou naquele caso, na esperança de que com isso ajudemos a atenuar o sofrimento das outras crianças que sofrem indefesas e longe dos nossos olhos (pois ao que parece o poder público não assiste sequer aos documentários sobre o sofrimento infantil, mas a audiência deles aos programas do SBT deve ser enorme...)”.
Enfim, para não alongar muito o texto, vou deixar para a “parte II” a continuação sobre esta mania que o estado brasileiro tem de tentar fazer de conta que está resolvendo os problemas da nação, utilizando casos isolados como se fossem programas de ação eficientes e não deficientes.
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