Teatro social apresenta

Cena I

Advogada e traficante numa sala iluminada apenas por uma lâmpada central, mesa e duas cadeiras.

Advogada – Isso está me cheirando mal...

Traficante – Sou pela liberação. Ah! Eu seria apenas um menino mau.

Advogada – Você é meu irmão!

Traficante – Não escute a maldade alheia.

Advogada – Bem, tenho que ir "super" embora.

Traficante – Adeus.

Advogada – Temos nossas vidas particulares. Adeus!

A luz apaga suavemente.

Cena II

A polícia repressiva enche a sala movimentando a cena com homens armados. Apontam para o traficante que está sozinho. Narrador oculto: "Os policiais não compreendem o que aquele homenzinho faz com um canudinho no nariz, e as mãos para o alto, além do nariz todo branco".

A luz apaga suavemente.

Cena III

Sala clássica de psicanalista com retrato de Freud, livros, divã.

Advogada está no psicanalista.

Advogada – Doutor, estou me sentindo mal.

Psicanalista – Mal? Como? Juridicamente?

Advogada – O traficante preso era meu amigo. Fica tudo junto. Tudo misturado. Podia ser meu namorado.

Psicanalista – Pensei que fosse um novo processo atrasado...

Advogada – O homem do processo atrasado? Ele me encontrou na rua e me disse com severidade: se fosse ele traficante, e ela com o processo, babaus... Galinha preta.

(Psicanalista sempre reto pesquisador atento ao mundo das entrelinhas).

Psicanalista – Ele tem suas razões. Todo mundo pensa assim. Então...

Advogada – É uma calúnia! É calúnia! (Enfática, o dedo em riste, deitada no divã).

Psicanalista – O caluniador quis dizer: "ser ele um homem com processo fiduciário próximo da noção do crime na condição de devedor". O pior devedor é o devedor sem fim. O mais cheio de indenizações, esperando pedido de insolvência civil, a mingua e desacreditado.

Advogada – Acho ainda que é calúnia ou difamação.

Psicanalista – Vejamos nós como a versão social de um problema sério, difícil de explicar. O meu vizinho colocou um decreto na lixeira da rua: proibido jogar lixo. Lixeira particular. (Gesticula fartamente) Seria bom estar do lado da redução de danos e não desejo lhe matar por isso. Também acho confuso. Estamos todos perdidos na ignorância...

Advogada – Ah, é? Eu tenho que resistir a tantas insolentes controvérsias? Aqui ó!

Psicanalista – É da profissão...

Advogada – Mas eu nada fiz e erro.

Psicanalista – De fato, erra nos dois casos. Perfeito. É o ponto! Que acha de irmos ao cinema?

Advogada – É. Vamos ao cinema assistir um filme daquele narigudo de óculos. / A luz apaga.

Fim.