...E não é que POBRE JÁ NASCE COM CARA DE POBRE mesmo?
Não sabemos se o fato a seguir se enquadra
no gênero teatral TRAGÉDIA, COMÉDIA ou TRAGICOMÉDIA. E o que é pior : o ator-protagonista dele não foi outro senão...NÓS !
Foi assim...(esse "foi assim" é ótimo, né?)
Para que nós, professores, possamos nos
deslocar com mais rapidez de um para outro local de trabalho (temos
de ser "pipoca" - pula "prá dedéu" prá sobreviver - para conseguiirmos
chegar no horário em cada um deles), nos anos 80 (como nossa " qui-
lometragem" está enorme!), adquirimos, COM O RESTINHO DAS ECONO-
MIAS", um fusquinha ano 72. Que festa ! Quanta comemoração! "O professor, agora, está MOTORIZADO" - essa era a forma carinhosa dos
alunos de externarem o contentamento com a nossa "ASCENSÃO".
E com esse fusquinha ficamos até início do
ano 2000. Aí, começa a história...
Fomos interrompidos no meio de uma das au-
las por um dos alunos :
- Professor, o Sr. se ofenderia se a gente lhe fizesse uma perguntinha?
- Claro que não ! Pode fazer... - acomodamos-nos na cadeira e nos
preparamos para a pergunta. (Imaginávamos, naquele momento, que
a pergunta seria do tipo "O Sr. é casado?", "o Sr. tem filhos"...
E a descortesia veio "sem dó, nem piedade" :
- Poxa, professor, FUSQUINHA ? Não combina com a sua profissão...
Fusquinha é "a cara de pobre de periferia"...
Engolimos em seco. Aquela nos pegou de
surpresa. Mas, como temos de ter " jogo de cintura", não perdemos
"o rebolado" (no bom sentido, né, gente?) :
- Pois é, meu jovem...Sabe o que é? È que, quando a direção desta
escola envia um comunicado aos pais dos alunos - INCLUSIVE DO
SEU... - a respeito da necessidade do aumento das mensalidades ,
grande parte deles - os pais - ameaçam até tirar os filhos da esco-
la, transferindo-os para uma mais "em conta". E se a escola não po-
de aumentar na proporção das necessidades, NOSSO SALÁRIO TAM-
BÉM NÃO É B E N E F I C I A D O como deveria...
Riso geral no recinto. (Mas, tal pergunta
já era indício de que TODO POBRE TEM, MESMO, CARA DE POBRE...)
Para evitar novo constrangimento daquele
tipo, decidimos nos desfazer de nossa "jóia" - o fusquinha. Adquirimos,
então, um Kadett, por ser mais potente e mais espaçoso. Aí, pensa-
mos, "vamos ver se agora eles - esses alunos - ainda terão algo a
falar sobre o carro"...
E não deu outra...
Passado algum tempo, já noutra escola,
num belo dia, lá estávamos nós falando sobre "concordância ideoló-
gica" (aquela figura de linguagem, chamada "silepse")... De repente,
um dedo indicador foi levantado lá no fundo da sala. Imediatamente,
interrompi a aula :
- Pois não...
E lá veio a segunda bomba :
- Professor, o Sr. se incomoda se eu fizer uma pergunta ?
- Em absoluto ! - retruquei - pode fazê-la.
- Por que o Senhor não compra um carro mais moderno? Esse
Kadett do Senhor, embora "conservadINHO" (às vezes, um dimi-
nutivo ofende mais que um tapa!), mas "tá" fora de linha há um
tempão...Ele é a cara desses donos de mercearia do interior ,
que fazem do carro - no caso, o Kadett - um carro de transpor-
te de mercadorias...
(Pela segunda vez, a "pecha" de "cara
de pobre" nos foi colada. Fazer o quê, né?)
Dessa vez, quase a palavra não sai :
- É, meu rapaz, é provável que você esteja com a razão. Vamos
pensar no assunto. Mas, agora, voltemos à aula...
(Só que, de tão "injuriado" que ficamos
que quase que o resto da aula não saía...)
E foi a partir daí que tomamos uma de-
cisão DRÁS-TI-CA !!! Agora, queríamos ver quem iria ousar nos in-
quirir a respeito do carro que iríamos - como de fato adquirimos -
comprar : UMA BLAZER !
E lá fomos nós, radiantes de felicidade,
"crentes que estávamos abafando", para um outro colégio...
E nossa aula sobre "vícios de linguagem"
se desenvolvia a contento, até que um engraçadinho (que nos vira
chegar naquela máquina) nos dirigiu a mais dura das ofensas - e
que veio a confirmar, de forma definitiva, o conteúdo do enunciado
neste texto - :
- Professor, o Sr. não acha que esse carrão do senhor é meio des-
proporcional para o Senhor ? O senhor, tão magrinho...E, ainda
por cima, professor...Blazer e professor não combinam...
Dessa vez, nada dissemos. Apenas
sorrimos. Algazarra total por alguns instantes. Logo a seguir, reto-
mamos de onde havíamos interrompido...
Pobre já nasce com cara de pobre.
Ninguém muda essa "verdade univer-
sal"...