ELA SE CHAMAVA HORT
Ela se chamava Hort e era uma gata incrível, de enlouquecer mesmo. Cabelos longos e avermelhados, lábios carnudos, pele macia, 1,68cm, etc, etc. E pasmem: além de tudo isso, era inteligente e sensível. Ele imediatamente se apaixonou. Uma garota de 22 anos igual àquela, com aquela maturidade, com aquela experiência, não era de se encontrar facilmente não. Ficaram superapaixonados. E era um tal de bilhetinho pra cá, bilhetinho pra lá. Um mel! Namoro de poucas semanas, mas parecia que se conheciam há anos. Até nas palavras adivinham o estado de espírito um do outro. Ele, por sua vez, não era muito romântico, mesmo assim, no arrebatamento daquele amor, dizia coisas superapaixonadas. Do fundo do coração. Enfim, não conseguiam mais viver longe um do outro.
Para resumir a conversa, conheceram-se numa dessas salas de Bate-papo da Internet.
Ele não se conformava em apenas teclar com ela. Queria mais. Queria de qualquer jeito encontrá-la pessoalmente, tocar nos seus longos cabelos, sentir seu perfume. Ou pelo menos ouvir a sua voz ao telefone. Ela sempre dava uma desculpa: era casada e trabalhava numa escola até às 11 da noite. De manhã ia malhar. Precisa manter aquele corpinho adorável. Não podia sair nos fins-de-semana senão o marido desconfiava. Ele, como também era bastante esperto, pescou aqui, pescou ali e por fim descobriu mais do que ele próprio desejava.
Querem saber o desfecho da história?
O telefone tocou na repartição pública. Alguém atendeu:
- Hort, telefone pra você.
- Hein?
-Telefone.
- Dê aqui, minha filha.
- Não, Hort! Este não é o telefone não. É o perfurador de papel.
- Desculpe, estou sem meus óculos.
- Aqui está o telefone.
- Quê foi que você disse?
- Hort, é melhor você colocar o aparelho. Não está me ouvindo.
- Tem razão, minha filha!
- Não, Hort. Isto aqui não é o aparelho. É o meu anel.
- Achei! Alô! Pois não! Aqui é Hortência falando. Desculpe a demora. Em que posso...
- Hort, finalmente consegui falar com você! Mas... sua voz parece cansada. É Hort que está falando mesmo? Nunca nos falamos ao telefone. É a primeira vez que ouço a sua voz. Está feliz com a surpresa? Fale, amor! Fale alguma coisa. Estou muito emocionado...
Muito emocionada estava ela. Apavorada, para dizer a verdade. E tentando se acalmar, falou, disfarçando a voz.
- Como descobriu meu telefone? Não combinamos que...
- Hort, que voz é essa? Eu, hein! Não é a minha gatinha Hort, da Internet. Ou é?
Ela ficou fula de raiva.
- Sou eu mesma! O que quer? – gritou com voz cansada - Como descobriu meu telefone? Não combinamos que...
- Não! Não posso acreditar! É Hort mesmo? A minha gatinha da Internet? Parece a voz de uma...
- Olha aqui, rapaz, fique sabendo que sou eu mesma. Sou Hort, uma gatinha de 22 anos, uma guria de cabelos avermelhados, pele macia...
Disse tudo isso quase soprando. A voz carregada de decepção. E acima de tudo, carregada do cansaço dos longos anos de existência. Na seqüência, ouviu-se no aparelho o som de uma linha sendo bruscamente desligada. No mesmo instante a sala foi invadida pelos funcionários da repartição. Eles entraram carregando um bolo enorme, abarrotado de velas acesas. Felizes e ruidosos, rodearam a mesa, abraçando a colega.
- Parabéns, d. Hortência! Parabéns! Veja o Diário Oficial! Veja! Saiu a sua aposentadoria!